Num modelo de economia linear, que atravessou praticamente todo o século XX de forma exponencial, os produtos são fabricados com os recursos do planeta, depois usados, e mais tarde, quando atingem o fim de vida, num ciclo relativamente curto para os quais foram programados, são deitados fora, na maioria dos casos sem reaproveitamento. A extracção de matérias-primas para o fabrico desses produtos pressupõe, no entanto, importantes gastos energéticos, geração de resíduos e emissões de gases de efeito estufa, o que contribui para a deterioração dos ecossistemas, acelerando as alterações climáticas e a perda de biodiversidade. No futuro, representa ainda risco, acumulação de resíduos por um lado e escassez de recursos por outro, até porque estes não são infinitos, além de consumirmos mais do que aqueles que o planeta consegue produzir ou renovar. Segundo estimativas das Nações Unidas, se o consumo de recursos do planeta continuar a crescer como até aqui, em 2050 serão necessários três planetas Terra para fornecer os recursos necessários a toda a actividade humana e absorver todos os resíduos gerados.
A ECONOMIA CIRCULAR TEM VINDO A SER IMPULSIONADA PELA TECNOLOGIA, PELA INOVAÇÃO E PELA INVESTIGAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
No últimos anos, numa óptica de sustentabilidade ambiental, económica e social surgiu um novo paradigma assente na adopção de um modelo de desenvolvimento inspirado nos mecanismos dos ecossistemas naturais em que tudo, ou quase tudo, se renova. Isto tem uma consequência directa que implica reduzir o desperdício ao mínimo, desmaterializando, reparando, reutilizando e reciclando materiais e produtos existentes, num fluxo circular e cíclico quase ilimitado, substituindo assim o conceito de “fim de vida” dos produtos da economia tradicional.
A economia circular, que aposta em soluções e produtos mais longevos, tem vindo a ser impulsionada pela tecnologia, pela inovação e pela investigação e desenvolvimento.
Um exemplo de pioneirismo de circularidade é a TMG Automotive, que actua na indústria de tecidos plastificados e outros revestimentos para a indústria automóvel. Aqui, apesar de a produção se manter, no geral, linear, em cada fase do ciclo produtivo há a preocupação de evitar o desperdício através do reaproveitamento de matérias-primas. A inovação sustentada, como processo enraizado (e certificado) na TMG tem levado à crescente utilização de materiais com “pegada ecológica” inferior, pelo desenvolvimento de soluções “amigas do ambiente”, e introdução do conceito de análise ciclo de vida “cradle to cradle” no ciclo de desenvolvimento de novos produtos.
DA OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA À CIRCULARIDADE
A economia circular não tem apenas impacto ambiental ao diminuir o recurso às matérias-primas através de uma produção consciente e eficiente; também gera impacto social, uma vez que permite melhorar e prolongar as relações com diferentes parceiros, e tem impacto económico, ao fomentar a redução de custos, o crescimento económico, a inovação e a criação de emprego. No entanto, enfrenta alguns desafios importantes, principalmente ao nível das finanças, da digitalização e da adaptação à indústria 4.0, do comportamento do consumidor, dos modelos de negócios e de governança.
Junto das empresas, a implementação de estratégias que fomentem a passagem da economia linear para a circular pode realizar-se com o recurso a vários instrumentos. Um dos principais é o design. Os produtos devem ser projectados para terem vários ciclos de vida e fabricados segundo processos tendo em vista a sua viabilidade económica e eficiência ecológica. Isto é, devem ser produzidos com materiais pensados para ter maior durabilidade e que, após o uso, possam ser reparados, reutilizados ou reciclados.
De facto, e nas palavras de Isabel Furtado, presidente da direcção da COTEC Portugal, proferidas durante o seu discurso de encerramento da 16.ª COTEC Innovation Summit, que se realizou em Julho passado em Famalicão dedicada à 4.ª Revolução Industrial (i4.0), “a indústria do futuro terá de ser menos exigente em recursos materiais e gastos energéticos e de operar em regime de baixas emissões de carbono, terá de ser capaz de conceber produtos inteligentes e de maior desempenho e de assegurar um novo paradigma do design for performance e terá, acima de tudo, de ser ambiental e socialmente mais responsável”.
CADA NOVO PRODUTO DEVE SER PENSADO DE RAIZ PELA QUALIDADE DO DESEMPENHO: A UTILIDADE AO LONGO DA SUA VIDA
Ainda na opinião desta responsável, há que fazer “uma aproximação à economia circular de forma sistemática e não segmentada; temos de pensar quais as matérias-primas ideais para utilizar e como as vamos utilizar, na adequação ao uso, na posterior vida do produto e até no seu desmantelamento para voltar a utilizá-lo de uma forma que nos traga valor e não ser visto apenas como um resíduo”.
A IMPORTÂNCIA DO DESIGN
Depois de muitos anos de obsolescência programada urge produtos que sejam fáceis de manter e duradouros, mesmo que tenha de se substituir alguns componentes. A produção de cada novo produto tem de ser assim pensada desde o seu início, ainda em projecto, e deve incidir na qualidade do desempenho, ou seja, na utilidade do produto ao longo da sua vida. É a isto que se dedica a Almadesign, uma empresa que gera inovação através do design, criando produtos de base tecnológica centrados no utilizador nas áreas dos transportes, produtos e interiores. “As decisões que tomamos na especificação inicial do produto têm consequências enormes naquilo que é a sua pegada, tanto ambiental como económica e social”, diz o seu CEO, José Rui Marcelino.
Também para Rui Mesquita, da Faculdade de Belas Artes do Porto, é importante avaliar cada produto do ponto de vista da sua utilidade, desempenho e final de vida e defende que os estudantes do curso de Design Industrial e de Produto desenvolvam teses baseadas em projectos reais. “A universidade não trabalha sozinha”, sublinha. É por isso que muitos alunos estão integrados em empresas industriais ou em ateliers de design.
TECNOLOGIA COMO PILAR
Assente na exploração da ciência, conhecimento e tecnologia como motores, a economia circular tem na Economia de Desempenho (Performance Economy) uma das suas escolas. Decorre da combinação de matérias-primas avançadas e sistemas e soluções “inteligentes” em toda a sua cadeia de valor, muito ligados à indústria 4.0, como a robótica, a inteligência artificial, a sensorização, a realidade aumentada e outras, além de assentar em mão de obra especializada. O resultado são produtos com desempenho superior ao longo do seu ciclo de vida. Por estes motivos, a cultura organizacional deve estar virada essencialmente para a inovação e para também para o investimento em estruturas comuns de utilização partilhada (alugar em vez de comprar é uma das possibilidades), na distribuição de capacidades e competências entre empresas concorrentes, e em redes logísticas sustentáveis, como a reversa, para gerir as devoluções e retorno dos produtos ao fabricante com recurso, por exemplo a softwares de gestão de armazéns. A finalidade máxima é garantir a reparação, a reciclagem ou, no limite, a eliminação do que não for possível reciclar em cada produto.
MAIS EMPREGO E VALOR ACRESCENTADO PARA A ECONOMIA
Para se ter uma ideia, 10 mil toneladas de resíduos indiferenciados significam um posto de trabalho se o destino for a incine
ração, seis postos de trabalho se for aterro, 36 postos de trabalho se for a reciclagem e 296 postos de trabalho se for promovida a reutilização. Os dados são da ONG europeia Rreuse, mas outros estudos corroboram o impacto positivo da economia circular no emprego. De acordo com o relatório “Sinergias Circulares, Desafios para Portugal”, da BCSD – Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, realizado com base na recolha de dados de 32 empresas responsáveis pela produção de 8,3 milhões de toneladas de 267 tipos de resíduos, esses resíduos, ao deixarem de o ser e ao passarem a ser valorizados, permitem evitar consumos intermédios de outras matérias primas na ordem dos 165 milhões de euros. Este valor pode então ser investido na contratação de mais colaboradores ou em aumentos de capacidade (formação bruta de capital fixo), o que poderá levar à criação de 1300 novos postos de trabalho e gerar 32 milhões de euros adicional de valor acrescentado bruto (VAB) na economia. O estudo pretendeu demonstrar o potencial económico, ambiental e social que pode ocorrer em Portugal se for possível aumentar as simbioses entre as indústrias. Ou seja, a colaboração entre empresas de vários sectores, com o objectivo de gerar vantagens competitivas para os intervenientes através da troca de materiais, água e energia. No caso dos resíduos, de forma a tornar cíclico o fluxo de materiais e energia, a simbiose industrial permite que depois de produzidos, os resíduos sejam reinseridos na cadeia produtiva enquanto subprodutos.
SABIA QUE… … NA UNIÃO EUROPEIA, A ECONOMIA CIRCULAR PODERÁ PERMITIR, ATÉ 2030, A POUPANÇA DE 600 MIL MILHÕES DE EUROS, O EQUIVALENTE A 8% DO VOLUME DE NEGÓCIOS ANUAL DAS EMPRESAS EUROPEIAS? E QUE PODERÁ GERAR 580 MIL EMPREGOS? ALÉM DISSO, PREVÊ-SE UMA REDUÇÃO DAS EMISSÕES DE CO2 NA ORDEM DAS 450 MEGATONELADAS
Neste relatório, de Março de 2018, são ainda sugeridas seis acções prioritárias de actuação que têm como objectivo acelerar a transição para as simbioses industriais: facilitar a transacção de resíduos através de alterações regulamentares; promover as compras ecológicas; fomentar o conhecimento nas empresas; facilitar as condições fiscais e de financiamento; promover as plataformas colectivas para gestão de recursos; e comunicar resultados. Do lado de quem consome, revela-se importante promover o envolvimento social e a consciência ambiental de todos para o uso eficiente dos recursos e o consumo responsável dos produtos, através, entre outros, do desenvolvimento de programas didácticos, de workshops e outras acções de informação. No final, todos ganham um planeta mais limpo e uma sociedade mais justa, equilibrada e mais sustentável
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