Este é o mote lançado às empresas pela Comissão Europeia, que obriga a encontrar caminhos para a descarbonização e a atingir, até 2050, a neutralidade carbónica. Mais eficiência, conhecimento e muito investimento são os ingredientes para vingar
A contagem decrescente para o cumprimento da meta da neutralidade carbónica, a atingir até 2050, já começou. As crescentes exigências legais, em particular no espaço da União Europeia (UE), forçam as empresas a acelerar o ritmo da descarbonização para evitarem perdas ao nível da competitividade, mas também para assegurarem o seu lugar na economia verde que se começa a desenhar. Apesar dos esforços, é preciso fazer mais e mais depressa, assegura Ana Cláudia Coelho. “Isto está a acontecer a uma velocidade muito lenta. No último estudo [da PwC], em 2021, tínhamos para as 20 maiores economias globais, uma taxa de descarbonização à volta dos 2,5%”, contextualizou a partner da consultora PwC, durante o debate “A Caminho da Neutralidade Carbónica” no COTEC Innovation Summit 22.
Idealmente, diz, este ritmo precisaria de ser hoje “cinco vezes” maior, até porque, gradualmente, o acesso a financiamento de fundos de investimento, incentivos públicos ou mesmo ao apoio da banca estará dependente da pegada carbónica das empresas.
Velocidade para a descarbonização tem de aumentar cinco vezes, aponta estudo da PwC
“[As organizações] vão sentir cada vez mais pressão no sentido de mostrarem que estratégia têm definida para o tema das alterações climáticas”, acrescenta. E não basta que gestores apresentem medidas como a adoção da reciclagem ou a diminuição de plásticos nas suas embalagens, será fundamental que a transformação seja sistémica em toda a cadeia de valor associada ao negócio.
Contexto de escassez e crise pode impulsionar a adoção de “grandes medidas de eficiência”
Significa isto avaliar, em primeiro lugar, a pegada ambiental de cada empresa. Para isso, é necessário considerar os três tipos de emissões – as diretas e relacionadas com combustíveis (tipo 1), as que resultam do consumo de eletricidade (tipo 2) e as que incluem toda a cadeia de valor (tipo 3), a montante e jusante. “Isto é extremamente importante”, realça Ana Cláudia Coelho. A razão é simples. As “grandes empresas”, a nível nacional e internacional, levam em conta a cadeia de valor no seu processo “de definição de metas”, acabando por pressionar os parceiros a adotar estratégias mais sustentáveis. De outro modo, aqueles que não o fizerem arriscam sair desse ecossistema.
Este foi o grande tema do debate que juntou Carlos Brás, diretor técnico industrial da Navigator, Teodorico Pais, administrador da Vista Alegre Atlantis, e Pedro Bártolo, head of logistics and transport da Sonae MC.
CENÁRIOS DE ESCASSEZ POTENCIAM EFICIÊNCIA
Embora refira que “o peso do sector cerâmico é relativamente baixo” no total de emissões para a atmosfera, Teodorico Pais reconhece que as empresas do sector são “consumidores intensivos de energia” e que estes são “desafios essenciais” para o cumprimento das metas europeias. Uma das principais medidas adotadas pela Vista Alegre passa pela “racionalização energética”, a par da utilização de tecnologias mais eficientes impulsionadas pela inovação, como o processo de monocozedura. “Tem um impacto grande na energia que gastamos”, garante.
A utilização de energias renováveis, em particular o fotovoltaico, foi um dos caminhos seguidos pela produtora de cerâmica, que instalou painéis solares em todas as suas fábricas. “O consumidor exige mais e nós próprios, com esta cultura sustentável, temos de implementar medidas de racionalização. É através da escassez que surgem as grandes medidas de eficiência”, afirma, em alusão aos efeitos da guerra na Ucrânia nos preços da energia.
Do lado da Navigator, um dos principais produtores de pasta de papel do mundo, os gastos energéticos assumem grande parte da pegada ambiental do negócio. Por essa razão, a organização decidiu antecipar a meta europeia de 2050 para 2035 com a definição de uma estratégia assente em três eixos: natureza, clima e sociedade. “No eixo da natureza estamos muito, muito empenhados na redução de utilização da água”, detalha Carlos Brás, que aponta o final desta década para diminuir um terço do consumo. Tal como na cerâmica, o aumento da eficiência energética é fundamental, pelo que o investimento na modernização do equipamento produtivo tem sido uma prioridade. Um dos projetos em curso, no âmbito do Innovation Fund e avaliado em 7 milhões de euros, tem como objetivo a transformação de fornos a combustível fóssil para biomassa. “No final de 2025 estará pronto”, adianta.
Mas este é apenas um vislumbre da carteira de investimentos da Navigator para chegar à neutralidade carbónica. O responsável revela que existem, atualmente, cinco projetos em curso com candidatura ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que totalizam um custo de “235 milhões de euros”.
Igual ambição tem a Sonae MC, do grupo liderado por Cláudia Azevedo, que tem estabelece 2040 como data-limite para a neutralidade carbónica. “Tencionamos fazê-lo não só com alterações à nossa operação, como também investindo em I&D” para trabalhar as emissões do tipo 3, esclarece Pedro Bártolo. Isto implica influenciar “parceiros e fornecedores a trabalhar ferramentas e processos que permitam reduzir a pegada carbónica de toda a cadeia”, nomeadamente com a substituição das embalagens de cartão em armazém por “uma caixa de plástico retornável”. “São caixas que são utilizadas 30, 40 ou 50 vezes. É um grande benefício, tão grande como eletrificar a nossa frota”, compara.
A eletrificação dos veículos para as entregas de last mile, que está em curso, permitirá reduzir as emissões de tipo 1. Outra forma de fazê-lo poderá estar no horizonte, dependendo dos resultados do projeto-piloto que a Sonae MC tem em curso para a utilização de biodiesel B100 “em todas as viaturas” pesadas. “Esse biodiesel é feito com óleos alimentares usados, parcialmente recolhidos nas nossas lojas, e conseguimos uma redução parcial de todas as emissões na nossa cadeia”, revela.
Ana Cláudia Coelho acredita que “Portugal está [hoje] melhor” no que às metas ambientais diz respeito, em grande medida pelo investimento “forte em energias renováveis”, mas diz que ainda é preciso mais. Esta missão conjunta, rumo à neutralidade carbónica, depende do esforço de todos – políticos, empresas e consumidores. “É urgente que as empresas, todas elas, façam esta reflexão”, remata a consultora da PwC.
Pegada de carbono tem em conta três tipos de emissões de CO2: dos combustíveis, da eletricidade e da cadeia de valor
Este conteúdo foi publicado no suplemento da revista Exame nº463.