As portuguesas WeADD e Neutroplast são exemplos de empresas que encaram a sustentabilidade como forma de gerar rendimento adicional, enquanto contribuem para a descarbonização da economia.
Esta grande casa que é o planeta Terra está cada vez mais povoada. Se em 1960 existiam 2,5 mil milhões de humanos em todo o mundo, hoje esse número disparou para 8 mil milhões. O número de pessoas mais do que triplicou em apenas 62 anos, um dado que tem merecido preocupação da Organização das Nações Unidas (ONU) não apenas pela pressão que tamanha massa populacional exerce sobre o ambiente, mas também pelos desafios no que à disponibilidade de recursos diz respeito. O aumento da frequência de fenómenos climáticos extremos, a subida da temperatura média e a escassez de água são, muitas vezes, considerados gritos de alerta do planeta que têm motivado planos, acordos e estratégias rumo a um futuro mais verde. “Vivemos num tempo de emergência climática”, começou por enquadrar Hermano Rodrigues, Principal da EY-Parthenon, no arranque do painel “Vantagem Circular” no COTEC Innovation Summit 22.
Com a cidade de Aveiro como pano de fundo para o evento anual da instituição que promove a inovação no tecido empresarial português, o igniter elencou os principais desafios que fazem deste um “ponto de interseção” na sociedade moderna. O destino é claro: chegar a 2050 com uma Europa neutra em carbono. Porém, o caminho faz-se entre obstáculos que dificultam a viagem. Além do “excessivo consumo de recursos”, o contexto socioeconómico dos últimos dois anos trouxe dificuldades há muitas décadas esquecidas pelos povos ocidentais – as consequências económicas e sociais de uma pandemia que ainda não terminou juntam-se à subida em flecha da inflação, ao consequente aumento generalizado de preços e a uma crise energética agravada pelo conflito armado na Ucrânia. “O contexto é, de facto, muito impulsionador da economia circular e, portanto, desta vantagem circular”, acredita o consultor.
Prova disso são os inúmeros documentos que procuram acelerar o ritmo de transformação da economia, descarbonizando-a. A nível internacional, é disso exemplo o Acordo de Paris, que ganhou novo fôlego com o regresso dos EUA, e, no seio da União Europeia, o Green Deal ou o Plano Europeu para a Economia Circular. O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) é, também, um dos instrumentos que vem alavancar a transição e apoiar as empresas nos investimentos verdes. “Estamos no ponto de interseção em que esta mudança deixa de ser apenas de um conjunto restrito de entidades, que estão na liderança das cadeias de valor globais, para um plano de democratização e de scale-up das soluções digitais”, traçou Hermano Rodrigues. Mas de que forma podem, afinal, os negócios ter um papel relevante neste processo? E como podem garantir rentabilidade num mundo em mudança acelerada? Estas foram algumas das questões que João Redol, CEO da Neutroplast, e Agostinho Carvalho, CEO da WeADD, procuraram responder através dos seus exemplos.
Oportunidades da Circularidade
Da mesma forma que a disrupção das cadeias de abastecimento verificada com a chegada da pandemia alertou a Europa para a importância da sua reindustrialização, as exigências do Plano Europeu para a Economia Circular recaem, em grande medida, sobre “atividades de forte especialização em Portugal” que podem fazer renascer a indústria nacional. O Principal da EY-Parthenon olha para áreas como a dos têxteis, do plástico e embalagens ou do agroalimentar como focos de oportunidade para a valorização da economia portuguesa. Agostinho Carvalho partilha a mesma visão e aponta o mercado dos eletrodomésticos como “uma grande oportunidade” para o país “porque as cadeias logísticas [tradicionais] foram sendo destruídas” ao longo dos últimos anos. “Neste momento, as vantagens competitivas que o mercado asiático trazia já não existem na mesma proporção”, analisa, explicando que a “migração” da cadeia para a Europa tem vindo “a acelerar”.
“Para as empresas portuguesas é uma oportunidade. Hoje temos grupos como a Bosch, a Siemens ou a PSH que procuram, inevitavelmente, parceiros para a produção e industrialização de alguns projetos em Portugal”, acrescenta o responsável da WeADD. Relocalizar as cadeias de abastecimento não é apenas uma forma de contornar os efeitos da guerra, mas também de cumprir com as crescentes exigências europeias ao nível da pegada de carbono das organizações. “É uma circularidade imposta há uma série de anos, mas que ultimamente está a ser mais imposta”, considera. É exatamente esse um dos objetivos da WeADD, que a partir da Marinha Grande se dedica, essencialmente, ao design e desenvolvimento de equipamentos domésticos, e que pretende apostar em “sinergias industriais” em território nacional para contribuir para a reindustrialização do velho continente.
A necessidade de garantir o melhor aproveitamento dos recursos e a sua circularidade abre portas ao renascimento da indústria nacional, defende Agostinho Carvalho. “Se pensarmos que teremos de ter produtos de melhor qualidade e a ter de durar mais tempo, certamente podem ser mais bem pagos e isso abrirá novas oportunidades para as empresas em Portugal voltarem a posicionar-se”, perspetiva o gestor.
João Redol afirma que a Neutroplast, especialista na produção de embalagens para a indústria farmacêutica e da cosmética, colocou “a sustentabilidade no centro do negócio” por dois motivos: redução de custos e vantagem competitiva. Como? Além do aumento da eficiência e da confiança depositada em atividades de investigação e desenvolvimento (I&D), a PME procurou implementar uma série de certificações que oferecessem ao mercado a confiança de ser o parceiro ideal para apoiar a redução da pegada ambiental das suas cadeias de abastecimento. Rapidamente a estratégia deu frutos, afirma. “A Sanofi foi um cliente nosso há dez anos. Há dois anos, assim que nos certificámos, ligaram-nos e passaram-nos um projeto”, exemplifica.
O PRR poderá servir, diz, como facilitador para investimentos avultados no aumento da eficiência produtiva e deve ser visto como um mecanismo importante. “Aproveitem os fundos da melhor maneira”, apela aos empresários, sublinhando, contudo, que a sustentabilidade não tem de ser sempre cara. Na fábrica, o CEO começou por “eliminar os descartáveis” e promover formação para a sustentabilidade. O resultado está à vista. “Tínhamos três sacos de lixo que saíam diariamente da fábrica. Hoje temos meio saco com 65 pessoas ali a trabalhar ao longo de 24 horas”, aponta. Outra medida passou por afastar, no escritório, as impressoras das secretárias para que os colaboradores tivessem de “percorrer 20 metros para ir buscar o papel” ou ainda pela retirada dos caixotes de lixo individuais. “Tem poupança de custos”, garante, lembrando ainda a geração de capital que impulsiona por mostrar aos clientes que a preocupação ambiental está no centro do negócio e começa dentro de portas.
Este conteúdo foi publicado no suplemento da revista Exame nº463.