Colaborar, Antecipar e Transformar

O processo de inovação é mais do que a criação de novos produtos – é uma disrupção com os modelos de negócio instalados. Para lá chegar, no entanto, é necessário apostar em ecossistemas com parceiros, clusters e universidades.

Repescando o passado e olhando-o com o intervalo de algumas décadas, torna-se hoje evidente que a indústria portuguesa se transformou, progressivamente, descolando-se de uma imagem de estagnação no tempo e esquecimento pela sociedade. Agora, às portas do primeiro quarto do século XXI, o panorama é radicalmente diferente. “Somos hoje um país de excelência industrial, capaz de competir nos mais exigentes mercados”, assinalou Isabel Furtado, presidente da COTEC, durante o discurso de encerramento do 16.º COTEC Innovation Summit, que decorreu em Julho passado em Famalicão.

“COMO LÍDERES, TÊM DE GARANTIR QUE NÃO ESTÃO APENAS A PROLONGAR O VOSSO MODELO DE NEGÓCIO PARA PROTEGER AS SKILLS DOS VOSSOS COLABORADORES, MAS ANTES QUE AS ACTUALIZAM”

ANAND VENGURLEKAR, ESPECIALISTA EM DESIGN THINKING

A escolha do local para o evento promovido pela associação empresarial, que tinha como objectivo reflectir sobre a Indústria 4.0 e os seus desafios, não ficou entregue ao acaso. O município do distrito de Braga é, acrescenta a responsável, “líder de exportações a Norte com cerca de 2 mil milhões de euros” em vendas ao exterior e um crescimento em torno dos 3%, relativamente ao ano anterior. Isabel Furtado realçou ainda que “a indústria actual, ágil e moderna, tem sido um dos motores da recuperação económica, quer ao nível do investimento em bens de equipamento e conhecimento, quer no crescimento das actividades de inovação e a sua conversão em vendas”.

A palavra-chave é, de facto, inovação, um dos grandes obstáculos para o fortalecimento e crescimento das empresas portuguesas, nomeadamente no sector industrial, que urge endereçar. Nesse sentido, a COTEC e a consultora EY apresentaram, a propósito do 15.º Encontro de Inovação, em maio do último ano, um relatório sobre o estado da inovação empresarial em Portugal e um conjunto de recomendações para melhorar o desempenho das organizações neste campo.

Neste documento, a associação e a consultora identificam os principais desafios a nível nacional no que diz respeito à capacidade de disrupção nas empresas, que ainda impedem o País de conquistar uma posição de topo no European Innovation Scoreboard (EIS) – actualmente, ocupa o 13.º lugar, liderando o grupo de nações consideradas moderadamente inovadores, registando uma evolução significativa nos últimos anos. Entre as dificuldades apontadas pelo relatório, encontram-se diversas que vêm sendo repetidas por líderes políticos nos últimos anos: a qualificação dos recursos humanos, nomeadamente a baixa alocação de trabalhadores qualificados a actividades de inovação e dificuldades na retenção de talento; investimento em Investigação e Desenvolvimento (I&D), que ainda se mantém “significativamente dependente do Estado”; reduzido grau de maturidade digital das empresas e dos colaboradores; e, por fim, a fraca colaboração entre empresas, universidades e centros tecnológicos.

É, por isso, necessário que o tecido empresarial invista mais em novo conhecimento, através da qualificação dos seus quadros e de uma maior proximidade com as instituições de ensino, mas também que o combinem com o know-how acumulado para conseguir encontrar novos mercados. No entanto, não basta querer inovar, é preciso que os gestores tenham uma visão a médio-longo prazo e consigam antecipar as futuras necessidades dos clientes.

Isabel Furtado sublinha esta capacidade de antecipação como fundamental no processo de transição para a Indústria 4.0. “No centro desta agenda [i 4.0] está o desafio da qualificação das pessoas, para isso temos de antecipar competências que irão ser necessárias e criar oportunidades de formação e transição”. Anand Vengurlekar, especialista em design thinking e consultor para a inovação, foi um dos keynote speakers do evento promovido pela associação e fez questão de alertar, em vários momentos, para a importância da reciclagem de skills. “Como líderes, têm de garantir que não estão apenas a prolongar o vosso modelo de negócio para proteger as skills dos vossos colaboradores, mas antes que as actualizam”, defendeu.

CINCO PASSOS A SEGUIR

Além de detalhar as principais dificuldades do país no processo inovativo, o relatório “Uma Nova Arquitectura da Inovação Empresarial em Portugal” explica ainda que estes desafios “são específicos à inovação e não de contexto”. Significa isto que embora o ambiente político, económico e regulamentar sejam favoráveis, o tecido empresarial português não tem sido capaz, de forma geral, de superar com sucesso obstáculos como os já mencionados.

Para ajudar a endereçar estes problemas de desenvolvimento da inovação, são sugeridos cinco temas-chave que podem permitir às empresas encontrar o rumo certo. Desde logo, é necessário alinhar estratégias, o que significa envolver todos os trabalhadores neste processo, auscultar as suas necessidades, pensamentos e opiniões através de entrevistas ou workshops, de forma a que seja possível antecipar necessidades de mercado e tendências.

No entanto, a definição de um caminho a seguir de pouco ou nada servirá se os gestores não implementarem aquilo a que os relatores chamam “visão ambidextra”, com três fases de aplicação. A primeira passa por avaliar as competências-chave que estão dentro da organização, o que permitirá “identificar bottlenecks [ou entraves] e decidir sobre áreas de foco de investimento na capacitação de inovação”. Depois, será importante apostar num ecossistema externo através da identificação de parceiros de colaboração, que podem incluir empresas do mesmo sector, de outras áreas e até hubs tecnológicos que permitam estimular a inovação e enriquecer a cadeia de valor. Por fim, resta definir um horizonte temporal que resulte do alinhamento entre as competências internas e externas.

Muitas vezes apontado como um dos calcanhares de Aquiles da economia nacional, é também um dos alvos das recomendações da COTEC e da EY. O facto das empresas portuguesas, essencialmente PME e ainda muito inseridas em sectores tradicionais, serem muito fechadas sobre si mesmas é algo que os gestores precisam de alterar. O relatório sugere que as organizações ajustem o grau de abertura ao exterior e o seu modelo organizacional, de forma a promover a colaboração e partilha de conhecimento dentro da empresa, mas também que o façam outside in, obtendo know-how do ecossistema, e inside out, partilhando conhecimento com a plataforma de colaboração.

Por outro lado, é elevada a importância de utilizar ferramentas e métodos para a organização do processo de inovação. Além de matrizes que avaliam o risco, a ambição inovadora ou a cadeia de valor, as instituições relatoras sugerem a adopção do método Real-Win-Worthit (RWW), que permite analisar hipóteses de falha e potenciais riscos, assim como identificar e suportar a resolução de problemas críticos para o projecto.

Um dos aspectos mais críticos entre as cinco recomendações deixadas pelo documento é a transformação cultural na empresa. Esta transformação, refere, tem de começar na estrutura de topo, mas abranger toda a organização e ajudar a desenvolver quatro competências fundamentais nos trabalhadores – colaboração entre equipas multidisciplinares para quebrar silos de informação; fomentar a criatividade no dia a dia das equipas; promover a autonomia e capacidade de identificar oportunidades; e, finalmente, garantir uma boa comunicação sobre ideias, riscos e potenciais ganhos.

Ainda que o processo de transformação no seio de uma empresa não seja simples de aplicar nem de rápida execução, é uma missão que os gestores não podem ignorar. Isabel Furtado recordou, a este respeito, que tal como no passado “os industriais tiveram de se adaptar, modernizar e encontrar um novo modelo de especialização, o qual provou ter alcance e ser um sucesso”, também hoje isto deve ser feito – através das plataformas de colaboração entre clusters, da aposta na qualificação e do investimento em novo conhecimento.

Marcelo Rebelo de Sousa, que encerrou o COTEC Innovation Summit, não terminou o discurso sem antes lembrar que “dispomos, hoje, de condições para que a nossa indústria possa ter um sucesso inimaginável há poucos anos. Temos é de fazer de tudo para que essa possibilidade se converta mesmo numa realidade com uma perspectiva de médio e longo prazo”, disse o Presidente da República.

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