Inovar: a sustentabilidade como factor de competitividade

A sustentabilidade trazida pela inovação e cada vez mais exigida por clientes e parceiros veio para ficar e será cada vez mais um factor de competitividade, com impacto em toda a cadeia de um produto: desde as matérias-primas ao design, passando pela sua durabilidade e destino no final do seu ciclo de vida.

O paradigma mudou, e não é uma questão de moda ou do humor momentâneo dos consumidores. A sustentabilidade dos produtos e da sua produção já é e será cada vez mais um factor decisivo na afirmação de qualquer oferta. E não é possível falar de sustentabilidade sem falar de inovação.


Começa a ganhar corpo um consenso à volta do conceito, mas como colocar os conceitos de sustentabilidade em prática? Como incluir a sustentabilidade na inovação na cadeia de abastecimento? Que materiais alternativos poderão proporcionar maior produtividade e relação custo-benefício ao longo do ciclo de vida do produto? Do lado do consumidor, existe já uma maior propensão para preferir e pagar um produto produzido de forma sustentável? Os casos de fraude nos produtos alimentares com certificação sustentável/biológica está a afectar a confiança do consumidor? Como garantir a transparência na cadeia de produção? Estes materiais alternativos podem ser tratados nos sistemas de reciclagem?
Estas e outras questões relacionadas foram o prato forte do 9.º Encontro PME Inovação, organizado pela COTEC Portugal em parceria com a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim. Nesta edição, que focou a discussão no sourcing sustentável como a próxima prioridade para as PME inovadoras e consagrou a entrada de mais 24 empresas na rede PME Inovação, a grande vencedora foi a Inovafil, que recebeu das mãos de Isabel Furtado, presidente da COTEC Portugal, o prémio PME Inovação COTEC-BPI. A empresa têxtil, vocacionada para a produção de fios inteligentes para moda e têxteis técnicos – exportando para mais de 20 mercados – foi fundada em 2011 e recorre à tecnologia de ponta no processamento de fibras naturais, artificiais e sintéticas.


O conceito da sustentabilidade é simples de enunciar mas complexo na concretização, porque toca todas as áreas de uma empresa e, naturalmente, dos seus produtos. No centro de tudo está, como em tantas outras mudanças dos dias de hoje, a transformação digital. A digitalização não é um fim em si mesmo mas uma ferramenta essencial no caminho para uma sustentabilidade cada vez mais plena. Com um programa rico em temas e oradores, o evento teve como principais conclusões esta necessidade e a discussão do “estado da arte” deste caminho para várias empresas e sectores.

Podem ser identificadas três vertentes deste percurso. A primeira parte está no design, na origem do próprio produto; a segunda área é a inovação na cadeia, um dos temas fortes do evento através de um painel dedicado ao ‘sustainable sourcing’, ou seja, o cuidado e carácter sustentável da escolha, recolha e tratamento das matérias-primas; e num terceiro ponto temos a responsabilidade acrescida do produtor, consistindo em internalizar dentro da empresa todos os riscos e os custos do ciclo de vida do produto. Ou seja, para a empresa, o produto não morre quando chega às mãos do retalhista ou do consumidor: o destino final das embalagens, por exemplo, é responsabilidade do produtor e tem de entrar na equação desde o início, nomeadamente a concepção e o design do próprio produto a colocar no mercado. E aqui há outro ponto a salientar: a durabilidade – ligada ao design, ao fabrico e às matérias-primas utilizadas – sobe na escala de importância, permitindo até uma concorrência mais ligada ao valor do que necessariamente ao preço. Por outro lado, dentro das próprias cadeias de valor, quem não fizer o caminho para uma maior sustentabilidade arrisca-se a perder o seu lugar.
Além dos prémios e do reconhecimento dos projectos que se destacaram ao longo do ano, o encontro serviu também para falar de economia circular e da abordagem holística que as empresas devem adoptar para serem competitivas, inovadoras e sustentáveis. O mote foi lançado por João Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente e da Acção Climática, que alertou para a necessidade de a inovação ser um processo convergente e um fim em si mesmo que tem de ser aplicado no dia a dia das empresas. “Portugal reduziu 25% das suas emissões de carbono, mas a situação [ambiental] ainda é pior do que há uns anos atrás. Esta é uma extraordinária oportunidade para a economia, para as empresas, para a criação de riqueza e para a inovação”, referiu, apontando a eliminação de desperdícios como fator fundamental para fechar o círculo de uma economia que se deve desprender do modelo linear. “Não podemos pôr no mercado produtos que não sabemos que destino final vão ter quando deixarem de ser úteis”.

O fim da era fóssil está ao virar da esquina
Se os conceitos enunciados acima são de fácil apreensão, não é suficiente ficar por aí, até porque há exemplos concretos da sua aplicação na prática.
A condição de circularidade está intimamente ligada às alternativas das energias fósseis, e foi este ponto que Kirsi Seppäläinen, vice-presidente da Stora Enso, empresa finlandesa que actua no sector da pasta e papel, destacou : “Temos que encontrar alternativas para criar materiais, produtos do dia-a-dia, novos modos de consumo que não dependam da energia fóssil. Não falo só do produto, mas de novos modelos de negócio de uma economia circular sustentada por uma abordagem biológica”.
No caso da Stora Enso, que produz soluções para um vasto número de indústrias baseadas no uso de madeira e da energia de biomassa, as florestas são o meio para atingir esse fim: “Tudo o que fazemos hoje a partir do fóssil podemos fazer amanhã a partir de uma árvore. A gestão sustentável da floresta é a base de tudo, não só de uma perspetiva ambiental, mas também para a saúde dos nossos negócios”.
Em Portugal, o tema da floresta é também nuclear no negócio da Corticeira Amorim, líder mundial no sector. Gisela Pires, coordenadora de sustentabilidade da companhia, explicou como é que a empresa faz um total aproveitamento da cortiça, através do seu modelo de negócio integrado e verticalizado. “Da que extraímos das árvores, a melhor – cerca de 30% – vai para as rolhas, responsável por gerar 70% do volume de negócio. A restante é distribuída por outras unidades, como a unidade de isolamentos ou dos compósitos.” O pó de cortiça é por sua vez usado como fonte de energia alternativa, sendo que 65% das necessidades energéticas da empresa já são supridas a partir desta via natural. “É importante não só vender mais, como produzir conhecimento sobre o produto, valorizando-o e defendendo-o,” argumentou. Mais, o sobreiro soma vantagens ambientais devido à sua elevada capacidade de captação de CO2.

Legislação, biologia sintética e redução de desperdícios
Outra área importante na construção de alternativas sustentáveis e competitivas é a da biologia sintética em que actua a portuguesa SilicoLife. “A biotecnologia é um bom in between entre os métodos de produção mais e menos sustentáveis. Através dela podemos desenhar leveduras e bactérias criando um processo biológico, natural e escalável”, defendeu Simão Soares, CEO da empresa nascida em 2010 em Braga, dando como exemplo as fragrâncias, os sabores ou a conversão de CO2 em moléculas de interesse energético como áreas onde a biologia sintética pode ser uma mais-valia.
Já sobre a redução de desperdícios, o plástico foi um dos alvos que mais discussão gerou. Carlos Ramalho, sales manager da United Biopolymers, apontou a falta de informação global como um dos principais problemas na forma como esta questão está a ser gerida: “O plástico não é mau por si, depende da sua utilização racional e do final do ciclo de vida”. Carlos Bernardo, professor catedrático da Universidade do Minho, vai mais longe: “Se nos focarmos excessivamente nos plásticos estamos a esquecer-nos dos principais problemas que nos estão a bater à porta, que são o aquecimento global derivado do consumo excessivo, a diminuição dos recursos naturais fruto do crescimento explosivo da humanidade e a procura de padrões de vida mais elevados”. E aqui, produtos mais duráveis significam naturalmente um ciclo de vida mais longo, ou seja, menos necessidade de produção e consumo.
E nem os bioplásticos, uma alternativa aos plásticos tradicionais, são uma solução por si só, trazendo, muitas vezes, problemas acrescidos, como adverte Luís Simões: “Se o bioplástico entrar no contentor amarelo, contamina tudo o resto”. Para o responsável da Soditud, empresa que converte produtos descartáveis em conteúdo sustentável, um dos caminhos para a problemática do plástico passa por desenvolver materiais alternativos que possam ser reutilizados ou voltar à natureza.
Esta é uma matéria igualmente sensível para o grupo Sonae. Pedro Lago, director de Sustentabilidade e de Projectos de Economia Circular, realçou, entre outras medidas, o desenvolvimento do projecto Plástico Responsável do Continente. “Não queremos ir pelo caminho mais fácil, queremos ir pelo melhor”, afirmou, deixando alguns alertas em relação aos bioplásticos: “Enquanto retalhistas, não queremos usar solos agrícolas para produzir plásticos em vez de alimentos; em segundo lugar, alguns dos bioplásticos presentes no mercado não são completamente biodegradáveis em condições naturais,” referindo-se ainda ao risco de contaminação dos plásticos em contentores de reciclagem pelos bioplásticos.
Enquanto as alternativas competitiva e sustentável tardam em impor-se, a legislação tem vindo a assumir um papel importante na promoção da mudança de comportamentos e de incremento de novos modos de consumo. Ana Cristina Carrola, directora do departamento de Resíduos da Agência Portuguesa do Ambiente, alerta para isso mesmo, dando como exemplo o novo pacote de resíduos comunitário, a ser transposto para Portugal até 2020, e do qual já se notabilizaram algumas acções legislativas no plano nacional de economia circular, como um sistema de depósito e entrega de plásticos e de metal em troca de um retorno para o consumidor, o incentivo à substituição dos sacos leves no retalho, na fruta, no pão e nos legumes, e a busca da redução ou total eliminação dos plásticos de uso único na restauração e no retalho.

Biológico é sinónimo de sustentável?
Nas duas sessões de conversa, todos concordaram que, mais importante do que pensar no benefício ambiental de curto prazo, é preciso reflectir numa lógica de sustentabilidade duradoura. Até porque, como alertaram, nem sempre o selo biológico é sinónimo de sustentabilidade.
Ana Silva Tavares, directora do departamento de Sustentabilidade da Tintex, usou o exemplo da empresa do ramo da indústria têxtil para sustentar esta visão. “Trabalhamos com diversas fibras, uma delas é o algodão. Em relação ao algodão biológico, gasta-se muita água na sua produção e parte dela não é totalmente consumida pela planta. É de facto mais sustentável só porque não se usa pesticidas? Há uma grande quantidade de água e de energia que é dispensada, só porque é biológico não significa que seja mais sustentável.”
Já Simão Soares trouxe o exemplo da baunilha para a discussão, “o sabor mais utilizado em todo o mundo”. A vanilina, 99% produzida por síntese química, é o composto responsável pelo desenvolvimento deste sabor que, embora esteja associado a um processo com maior pegada ambiental, não causa tanto impacto social como a exploração de baunilha natural no Madagáscar, o maior produtor do mundo. “O que se está a passar actualmente no Madagáscar é o que se passou na Colômbia nos anos 1990”. De facto, a baunilha viu escalar o seu preço nos últimos anos, ao ponto de ter superado o valor da prata, levantando assim uma onda de crime organizado ímpar na história do país.

Mais do que o negócio, importa definir os valores das empresas
As escolhas do consumidor trazem constantes desafios às empresas, que têm de ser perspicazes na leitura e na adaptação do modelo de negócio às exigências do mercado, demarcando-se pela transparência e por um activismo social, ambiental e económico. “As empresas têm de ser capazes de desenvolver os produtos que os consumidores querem de forma sustentável, recorrendo a cada vez menos químicos, com transparência nas suas cadeias de abastecimento e de forma eficiente do ponto de vista económico”, apontou Miguel Barbosa, director comercial e de projectos na Amyris Bio.


Já Alexandra Abreu Loureiro chamou a atenção para os exemplos que vêm de baixo, das gerações mais novas, mas também de cima: “as empresas têm que se envolver cada vez mais com a sociedade para além daquilo que é o seu negócio, têm de mostrar os valores com os quais se comprometem. É preciso que nós, como empresários, contribuamos não só para o emprego, mas para o espaço onde vivemos.” E o consumidor, qual o seu papel nesta cadeia? Para a partner da Brunswick é importante que as pessoas comecem a ponderar as suas opções de compra: “se isto custa apenas dois euros tenho que questionar: por quem foi feito? Onde? Como? Tudo isto conta”. O mesmo se aplica à educação e literacia ambiental. Como frisou Carlos Ramalho, sales manager da United Biopolymers, “temos que estar cientes de que o produto não é mágico. A cultura tem que ser mudada e todos temos que trabalhar juntos para que isso aconteça”.
No final, a palavra é dos consumidores e dos parceiros em qualquer cadeia de valor. E ambos estão mais exigentes num caminho mais sustentável que não terá uma inversão futura.

Kirsi Seppäläinen, vice-presidente da Divisão de Biomateriais e Projetos Estratégicos da Stora Enso

“Queremos usar as árvores da forma mais eficiente possível”

A matéria-prima retirada das florestas, principal atividade da finlandesa Stora Enso, poderá vir a substituir a energia produzida a partir de combustíveis fósseis. São ainda vários os desafios da transição para uma economia mais ecológica

Kirsi Seppäläinen acredita num futuro em que as árvores desempenhem um papel fundamental na economia circular. A responsável da Stora Enso participou no 9º Encontro PME Inovação, realizado pela COTEC Portugal na Póvoa de Varzim, onde mostrou o caminho que a empresa, baseada em Helsínquia, traça no campo da inovação e desenvolvimento de novos produtos a partir da madeira, da fibra de celulose e da biomassa. Em entrevista, a responsável explicou os desafios dos novos modelos de negócio green e realçou a cooperação entre os vários agentes económicos nos diferentes elos da cadeia de valor do produto como ponto estruturante neste novo paradigma empresarial.

A Stora Enso defende que tudo o que se faz hoje a partir de energia fóssil pode ser feito amanhã a partir de uma árvore. Como podem ser aplicados esses recursos energéticos?
Queremos usar a matéria-prima das árvores da forma mais eficiente possível, para podermos aplicá-la em diferentes produtos, como materiais de construção, celulose, papel, cartão, serragem, etc. A transformação energética é a última opção e só aproveitando as partes sem qualquer utilidade. Em simultâneo, a transformação da madeira em fibras de celulose gera mais energia do que aquela que é usada na operação e, por isso, vendemo-la como eletricidade ou combustível para aquecimento das comunidades próximas. Futuramente, esperamos inovar ainda mais para que as soluções de biomassa possam substituir o que se faz atualmente a partir da energia fóssil.

Referiu que trabalhar com biomassa não é o mesmo do que trabalhar com energia fóssil, que há timings e abordagens de negócio diferentes. Que implicações estão associadas a esta transição?
Com a biomassa há sempre variações naturais a ter em conta. As matérias-primas dependem do território onde são plantadas, onde crescem, do momento das colheitas e de outros fatores. Estas variações têm que ser tidas em consideração no processo de otimização da produção para garantirmos uma qualidade uniformizada e atingirmos resultados similares ou ainda melhores em comparação com a produção fóssil que queremos substituir. Outro fator importante, quando lidamos com produtos gerados a partir de biomassa, é a reflexão sobre diferentes modelos de negócio. Temos que pensar qual a nossa posição na cadeia de produção e que parcerias podemos desenhar para que cada agente assuma um papel específico nessa mesma cadeia.

As parcerias vêm reforçar os valores da economia circular? Que resultados e conclusões a Stora Enso retira dessas iniciativas?
Estes casos de colaboração estreita estão a começar a emergir, daí que seja ainda muito cedo para retirar conclusões profundas. Contudo, acreditamos que este tipo de iniciativas são a única via para fazer com que a economia circular avance mais rapidamente em termos globais.

Qual o contributo da inovação tecnológica para a economia circular e para a inovação green?
As novas tecnologias e os novos modelos de negócio são muito importantes para gerir os modelos de economia circular, como também é importante o fomento de novas parcerias e colaborações entre diferentes stakeholders. Desse modo, podemos de facto pôr este modelo em prática.

Na sua apresentação, advertiu que é preciso muita inteligência na hora de definição do preço, dado o valor associado à cadeia do produto para além da sua função. Mas, mesmo sensibilizado para a sustentabilidade, o comprador tende a escolher o preço mais baixo que satisfaça as suas necessidades. Como é possível ser sustentável, respeitar os valores da economia circular, e ao mesmo tempo ser competitivo?
Neste aspeto é fulcral perceber qual o valor que o produto acrescenta ao consumidor. Normalmente ser green ou circular não chega, o produto precisa de ter uma performance melhor, tem de trazer uma novidade para o consumidor. Por aqui podemos definir um novo caminho nos hábitos de consumo, passando de uma perspetiva apenas assente na compra e na posse do produto, para uma de uso e empréstimo. O fim de vida do produto também pode ser um fator de decisão, uma vez que o consumidor poderá, assim que não precise mais de o usar, reutilizar o produto para outra função.

Economia circular é um conceito compatível com economia de escala?
É ainda muito cedo para avançar com uma afirmação perentória sobre essa matéria, na medida em que muitos dos modelos de economia circular ainda estão numa fase embrionária. A par destes modelos, é igualmente necessário desenvolver novos métodos de tratamento de resíduos e novas formas de processar diferentes materiais. De realçar também que em muitos casos é preciso mudar a legislação para que seja possível aplicar resíduos noutros processos produtivos.

Desenvolvido em parceria com:

Relacionados