Entre as prioridades da estratégia de digitalização da economia portuguesa está a intervenção nos domínios onde este fenómeno pode ter um impacto imediato mais positivo. Além da construção, com a divulgação da ferramenta BIM, também o sector da saúde está a ser impactado pela i4.0.
A construção e a saúde não são apenas dois dos sectores mais relevantes para a economia portuguesa – eles estão também entre aqueles que mais podem beneficiar, desde já, com a adopção de práticas e mecanismos ligados à 4.ª Revolução Industrial. E foi também por isso que recaiu sobre eles a primeira atenção da Plataforma Portugal i4.0 (mecanismo responsável por operacionalizar a estratégia i4.0 no País), que criou à sua volta grupos de trabalho dedicados com o objectivo de identificar o potencial de transformação digital latente em cada um deles.
Se para o primeiro destes sectores a emergência da “construção inteligente” (que combina capacidades digitais com a actividade tradicional do “tijolo e cimento”) pode ser a oportunidade para o renascimento de um sector dizimado pela crise económica recente (e que já tinha, também, um desempenho ambiental pouco favorável), para o segundo constituirá a possibilidade de recentrar a prestação de serviços no utente ou no utilizador, numa actividade só por si considerada socialmente muito importante.
CONSTRUIR EM COMUNHÃO
Uma das ferramentas tecnológicas que mais pode contribuir para a modernização e digitalização do sector da construção é o BIM (Building Information Modeling – Modelagem de Informações da Construção), uma plataforma digital que promete gerar ganhos avultados em toda a cadeia de valor. Este sistema permite simular, por inteiro e através do poder computacional, uma obra de construção ainda antes desta estar sequer em execução. O que faz com que seja possível prever, de forma fiável e eficaz, todo o ciclo de vida de um edifício, desde o momento em que é projectado até à conclusão da sua construção, passando pelo processo de engenharia, arquitectura e produção/compra de material. Torna-se assim mais simples fazer a antecipação de problemas com a obra, mas também um maior rigor na optimização de materiais e preços, maior eficiência e uma melhor gestão contratual, reduzindo a possibilidade de litígios.
Para se ter uma ideia mais aproximada das vantagens, basta atentar os números sugeridos por diversos estudos e relatórios nacionais e internacionais sobre as poupanças resultantes da utilização do BIM. A redução de custos com a construção pode variar entre os 10% e os 25%, mas também a produtividade pode ser aumentada em dois dígitos com a utilização deste sistema. Numa situação prática hipotética, imagine-se o caso de uma obra de construção a decorrer em França que precisa de uma peça produzida no Japão, montada por uma equipa da Coreia do Sul e projecto de autoria portuguesa. A possibilidade de alguma coisa correr mal é elevada, porque este processo implica várias frentes de comunicação e colaboração. Contudo, se esse mesmo projecto for preparado em BIM, todos os cálculos necessários relacionados com medidas, materiais, durabilidade ou aplicação são realizados no momento em que a obra começa a ser projectada. Desta forma, arquitectos, engenheiros, fábricas, directores de obra e outros envolvidos podem aceder a toda a informação da obra, sabendo que é fiável, o que permite poupança de tempo, dinheiro e problemas.
Por tudo isto, a adopção deste sistema pelas empresas portuguesas e pelo mercado, nomeadamente pelo Estado, que é o maior cliente individual do sector, revela-se com evidentes vantagens competitivas e de poupança. No relatório “BIM e a Digitalização da Construção e das Infraestruturas”, produzido pelo grupo de trabalho i4.0 da COTEC Portugal, o coordenador do documento defende precisamente esta ideia. António Aguiar Costa diz que “a digitalização do sector da construção representa uma oportunidade, única numa geração, para superar estes desafios estruturais” e permite, através das boas práticas e métodos de outros sectores industriais, “transitar para um nível de desempenho superior e tornar o sector da construção num sector digital”.
PORTUGAL PREVÊ, MAS NÃO APLICA
Apesar de o Código dos Contratos Públicos prever, desde 2017, a utilização do BIM na execução de obras públicas, não existe obrigatoriedade, ou incentivo, para que as empresas utilizem este sistema de modulação. Um dos obstáculos à generalização deste método está, também, ligada à necessidade de formação de profissionais do sector nesta ferramenta, um activo que, segundo empresas do mercado, é muito escasso em Portugal. Talvez por isso pudesse ser importante o Estado dar o exemplo, fomentando a utilização do BIM e promovendo, em conjunto com as universidades, a formação académica necessária ao seu uso. No Reino Unido, por exemplo, desde 2016 que os projectos de obras públicas são obrigatoriamente preparados com BIM, o que, inevitavelmente, tem obrigado os players a adequarem-se às exigências, aumentando o espectro de empresas que a ele recorrem. Espanha seguiu o exemplo, em 2018, assim como a Alemanha, que irá tornar obrigatória a utilização do BIM a partir de 2020. Sinal de que também as empresas nacionais deverão acelerar a transição para este modelo, arriscando caso contrário uma elevada perda de competitividade, principalmente no que diz respeito à internacionalização.
O estudo elaborado pelo grupo de trabalho i4.0 sugere ainda quatro grandes medidas estratégicas para a generalização do uso do BIM na construção: alterações legislativas, nomeadamente em relação à obrigatoriedade de contratar com base no BIM para empreendimentos de determinadas dimensões; normalização com a definição de regras e formatos padrão; mais apoio e incentivo à investigação, desenvolvimento e inovação no sector; e estruturação da formação e certificação em BIM.
Para lançar mãos à obra, a COTEC, através do documento já citado, propõe-se a cumprir um detalhado cronograma para a promoção e aplicação desta ferramenta no seio das empresas portuguesas. Nele, o período 2018-2025 foi definido como crucial para a implementação do BIM com base em cinco factores que consideram essenciais – maturidade do cliente, competências e indústria, digitalização e inovação, informação e conhecimento e, por fim, sustentabilidade. António Aguiar Costa alerta, no entanto, que este desenvolvimento estratégico se baseia “em previsões indicativas” e que depende de “condicionantes que excedem a esfera puramente técnica, como o apoio mais assertivo por parte do governo nacional”. Não obstante, está definido o roadmap que pode mudar o sector da construção.
AS EMPRESAS DEVERÃO ACELERAR A TRANSIÇÃO PARA O BIM OU ARRISCAM PERDER COMPETITIVIDADE, PRINCIPALMENTE NA INTERNACIONALIZAÇÃO
CUIDAR DA SAÚDE DO FUTURO
Igualmente importante é a transição para uma saúde 4.0, principalmente se tivermos em conta os graves problemas demográficos de Portugal associados ao crescente envelhecimento da população. Não só os cidadãos precisarão cada vez de mais cuidados de saúde, como será necessário garantir a sustentabilidade do próprio sistema. A aposta na implementação de soluções digitais surge como uma ferramenta essencial. O grupo de trabalho Connected Healthcare, promovido pela Plataforma Portugal i4.0, pretende identificar as alavancas de valor da digitalização no sector, os investimentos mais relevantes para transformar os cuidados de saúde e as prioridades que vão conduzir a esta mudança. E a esse propósito, a Católica Porto Business School realizou um estudo de caso, a pedido da COTEC, sobre a saúde conectada, as suas potenciais vantagens e alguns exemplos de sucesso em Portugal.
Em declarações sobre este documento, Jorge Portugal explica que “além do problema de disponibilizar serviços de saúde à população com envelhecimento normal, será preciso considerar as necessidades daqueles com problemas crónicos ou doenças raras” e isso trará, necessariamente, custos para os cofres públicos. O papel da quarta revolução na saúde pode significar “a emergência de novos modelos de distribuição e serviços de cuidados de saúde remotos smart wellbeing, mais eficientes e que mitigarão a escassez de outros recursos”, defende o Director-Geral da COTEC.
A transição para uma saúde 4.0 significa, na prática, que as entidades prestadoras de serviços de saúde terão de evoluir de um modelo centrado na oferta de recursos para um em que o doente é, ele próprio, o núcleo do serviço. O estudo analisou alguns casos, como o do Hospital de Cascais, para tentar extrapolar esses resultados positivos e perceber que impacto poderiam as mesmas medidas surtir no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Um desses exemplos prende-se com a tentativa – segundo o próprio hospital, bem-sucedida – de implementar inteligência, através de soluções digitais, no serviço de triagem de uma patologia específica, a sépsis. O sistema Fast Track pede informação detalhada e de qualidade aos profissionais de saúde, interpreta-a e, com base na hierarquização de sintomas, pode acelerar o tempo de atendimento do paciente.
Seguindo a mesma lógica de optimização dos recursos, o Hospital de Cascais também instalou um sistema de codificação GS1, que permite seguir todos os movimentos dos medicamentos, desde que entram na farmácia hospitalar até ao momento em que são administrados ao doente. A tecnologia permite uma rastreabilidade completa dos fármacos, mas também saber quando foram aplicados, em que dose e em que paciente. Por outro lado – e este será, porventura, um dos dados mais relevantes em termos de optimização de recursos – o estudo da Católica refere que o sistema pode poupar até nove horas no tempo que os enfermeiros despendem a administrar medicamentos.
Entre os principais resultados do estudo, encontram-se dados sobre potenciais aumentos de produtividade em cerca de 10% na utilização de aparelhos de radiologia, mas também conclusões sobre a possibilidade de poupanças no valor de milhões de euros num laboratório de análises clínicas. Com recurso à plataforma Teamplay, desenvolvida pela Siemens, um laboratório pode conectar todos os seus aparelhos de imagiologia e radiologia através de um painel de controlo que mostra, em tempo real, o desempenho das máquinas e contabilizar, no final do dia, quantos exames fez cada uma. Desta forma, é possível aos gestores olharem para os números e perceber como é possível optimizar a utilização das mesmas e melhorar a calendarização dos exames. Este sistema já foi aplicado numa clínica da Grécia, que atingiu ganhos de produtividade de 10% e de onde partiu a extrapolação de resultados para perceber, através do estudo português, de que forma poderia o SNS tirar partido deste tipo de plataformas. Segundo o coordenador do estudo, Ricardo Gonçalves, a utilização desta solução permitiria reduzir o tempo de espera dos doentes, garantindo uma maior eficiência no serviço prestado.
Utilizando a mesma metodologia, a Católica Porto Business School partiu do exemplo do laboratório de patologia clínica do Hospital de Vila Franca de Xira, cuja gestão foi entregue ao Grupo Germano de Sousa. Nas instalações do equipamento do SNS realizam-se apenas as análises essenciais do ponto de vista médico, delegando as restantes e mais complexas para um laboratório externo que presta apoio ao hospital. Em conjunto com a introdução de um sistema electrónico de controlo, que optimiza o modelo de prescrições, permite atingir poupanças relevantes sem prejudicar a qualidade dos serviços. O estudo comparou o valor médio de um exame realizado neste laboratório com o custo em outros hospitais, revelando que detectou uma possível poupança de “milhões de euros”, embora não divulgue, para já, o valor concreto.
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