A imagem de que a indústria é suja, pesada, arriscada e pouco atractiva para as mulheres tem vindo a mudar radicalmente nos últimos anos. Uma mudança em parte impulsionada pelo avanço tecnológico. Mais uma revolução a que a i4.0 não é alheia.
Ana Jerónimo é engenheira mecânica. Esteve 17 anos no estrangeiro, passou por cinco países, desenvolveu motores para a BMW, na Alemanha, e considera que a diversidade de culturas que viveu a enriqueceu pessoal e profissionalmente. Há cerca de dois anos regressou a Portugal para ajudar outros engenheiros a não terem de sair do seu país em busca de satisfação numa carreira lá fora. Actualmente, é directora de estratégia industrial e inovação da OGMA – Indústria Aeronáutica de Portugal e acredita que os resultados veem-se com métodos de trabalho baseados na perseverança, planeamento, coordenação, disciplina e visão de futuro. É um facto que indústria ainda é uma profissão predominantemente masculina mas o paradigma está a mudar e tem vindo a evoluir positivamente quanto à diversidade de género.
As empresas industriais estão a ser capazes de atrair mais mulheres mas, obviamente, diz Ana Jerónimo, “é preciso que elas se sintam atraídas para a vertente técnica, não basta as empresas abrirem as portas, o trabalho tem de ser feito antes”. É preciso desconstruir estereótipos para essa “atractividade” aumentar. Por exemplo, desmistificar a imagem de que a indústria é um trabalho de risco, sujo, pesado e perigoso.
De acordo com Jorge Ramos, presidente da Embraer para a Europa, Médio Oriente e África, “isso mudou muito, há cada vez mais mulheres, quer na linha de montagem quer na parte de engenharia”. A tecnologia também tem dado uma ajuda porque a robotização contribui para “aliviar” a carga mais pesada, pelo que este trabalho se torna cada vez mais acessível. Hoje, diz o responsável do fabricante brasileiro de aviões, há muitas ferramentas que agilizam o trabalho, como o big data ou a inteligência artificial. Por outro lado, a inovação e a digitalização trouxeram benefícios ao nível da conciliação vida pessoal-profissional, pois muitas são já as empresas que possibilitam o trabalho a partir de casa de forma pontual ou permanente.
De facto, muitas empresas estão a reinventar o “escritório” e a analisar a transformação do ambiente de trabalho para repensar os activos e o ambiente necessários, incluindo o trabalho remoto, tanto para produtividade quanto para satisfação no trabalho. Se é consensual que, para atrair talentos, a indústria deve levar em consideração as iniciativas de transformação no local de trabalho, a questão é como a estratégia, o financiamento e a gestão adequados podem resultar numa vantagem competitiva de longo prazo e aumentar uma forte cultura de adaptação que rende mais resultados de inovação.
Também Rute Pacheco trabalha num mundo (ainda) de homens. É especialista em transformação lean na EFACEC, organização que opera nos sectores da energia, da engenharia e da mobilidade. Entrou há poucos meses e diz ter sido recebida “como mais um elemento para trazer valor para a companhia” e considera que não tem sido discriminada: “Essa ideia tem vindo a desvanecer-se ao longo dos últimos anos, não sinto que haja discriminação de género como havia. As empresas procuram um perfil de candidato e não um género de candidato”.
UMA QUESTÃO DE PERFIL…
Este é um tema que coloca quase sempre dúvidas aquando da selecção de candidatos e captação de talento e também a quem procura emprego. Terei o perfil certo para o posto anunciado? Terá o potencial colaborador as skills adequadas para o trabalho pretendido?
O perfil de um candidato tem sempre duas dimensões, sobretudo nas empresas que incorporam elevados níveis de tecnologia como é o caso da indústria. Uma está relacionada com as competências específicas e técnicas de cada sector, a outra com as competências transversais. Para Paulo Feliciano, vice-presidente do IEFP — Instituto do Emprego e da Formação Profissional, “quanto mais nos transferimos para empregos baseados no conhecimento, mais importantes se tornam competências como a da criatividade, planeamento, entre muitas outras. No fundo acaba por não haver um determinado perfil mas sim uma valorização de um conjunto de competências”.
… E DE TALENTO
Isabel Furtado, presidente da COTEC Portugal, não tem dúvidas de que “as carreiras na indústria atraem cada vez mais talento, tanto das melhores universidades como de escolas profissionais. A imagem associada a profissões duras, sujas e mal pagas na indústria está a esbater-se na sociedade. A indústria actual, ágil e moderna, tem sido um dos motores da recuperação económica, quer ao nível do investimento em bens de equipamento e conhecimento, quer no crescimento das actividades de inovação e a sua conversão em vendas”.
Para isto, e como já referimos, muito tem contribuído a tecnologia. Um dos resultados mais imediatos e impactantes da evolução tecnológica é o vasto avanço na automação. Todos os dias, mais processos manuais são automatizados e, à medida que a tecnologia continua a acelerar, este facto apresenta um peso cada vez superior face à realidade actual. Mas, garante Manuel Joaquim Costa, director de Business Consulting da Everis, “ao contrário do que possa parecer, esta automação acarreta um enorme potencial para o ser humano. Com os processos e as tarefas automatizadas, as pessoas vão poder dedicar-se a ocupações de maior valor acrescentado, e consequentemente, mais satisfatórias”. Mas estamos só no princípio. Muitas empresas trabalham ainda à base da repetição de tarefas dos seus trabalhadores, com mão de obra ainda muito pouco qualificada. Em simultâneo, assistimos à cada vez maior utilização de robots (de hardware e software), inteligência artificial ou realidade aumentada nos processos fabris, com colaboradores cada vez mais qualificados e conscientes do negócio para que trabalham. “Numa óptica contínua” — acrescenta o consultor — estamos num momento ainda de dualidade e as empresas têm de se adaptar para um contexto também de criação e requalificação de talento, fazendo a ponte com um ensino mais alinhado às suas necessidades estratégicas. Por outro lado, a retenção tornou-se também uma área-chave, pois um novo perfil de colaborador da indústria, mais qualificado e exigente, obriga as empresas a olharem para a experiência dos seus profissionais como um aspecto fundamental do negócio”.
SABIA QUE… APENAS 10% DOS TRABALHADORES DA EUROPA OCIDENTAL (GALLUP, 2017) SE CONSIDERA “ENGAJADA” AO SEU TRABALHO E EMPRESA? PARA AUMENTAR A SATISFAÇÃO DO COLABORADOR, ESTE PRECISA DE SER VALORIZADO, DESAFIADO E INCENTIVADO PELO EMPREGADOR. UMA MUDANÇA NA MENTALIDADE DOS RECRUTADORES TAMBÉM SERÁ NECESSÁRIA.
É uma realidade que muitas são as empresas, de todos os sectores de actividade, que apostam em melhorias contínuas do clima organizacional com a adopção de diversas práticas para que as suas pessoas se sintam bem no local de trabalho e para que possam evoluir profissionalmente e se mantenham motivadas. Mas as pessoas também precisam de estar abertas a novas formas de trabalhar. A indústria está cada vez mais volátil, muda a cada passo e por isso o nível de exigência também aumenta. Isto requer, segundo Rute Pacheco, “que se esteja sempre informado, sempre em constante evolução”. O que significa que a formação de base é útil mas que a aposta deve estar na formação contínua, ao longo da vida, e, até, na requalificação.
Segundo Manuel Joaquim Costa, a 4.ª Revolução Industrial irá dar-nos a oportunidade de aprender e ensinar novas competências, construir novos empregos que exigem combinações únicas de habilidades que não existem hoje, explorar talentos que não conhecíamos e, ao fazê-lo, expandir os negócios e criar uma nova geração de profissionais altamente qualificados nas mais diversas áreas. “Deste modo, só conjugando e alinhando sector privado e ensino — colaboração entre escolas e empresas para desenvolver currículos académicos relevantes e adaptáveis à procura — mas também reformando a contratação com base em competências em vez de credenciais, e mais importante, mudando a ideia que as empresas também têm de ser capazes de assumir a liderança no apoio à qualificação profissional existente e à aprendizagem ao longo da vida”, diz. E remata: “É preciso prepararmo-nos para esta transição com uma mentalidade de abundância e assim criar um futuro de trabalho que seja próspero para todos”.
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