Atrair, reter e (re) qualificar

A luta pelos melhores e mais qualificados talentos não acontece apenas na arena das tecnologias de informação (TI). Hoje, a transformação digital e o desafio da indústria 4.0 estão a abrir portas a novos problemas nos setores mais tradicionais

A escassez de recursos humanos técnicos e altamente qualificados que se vive entre empresas tecnológicas não é de hoje. Há vários anos que a procura por estes profissionais ultrapassa largamente a oferta, obrigando os empregadores a desafiar a criatividade para atrair os melhores logo à saída das universidades. O que é novidade nesta luta pela atracção de talentos é que a procura por estes perfis é hoje transversal a diversos sectores, nomeadamente nas indústrias consideradas mais tradicionais e frequentemente conotadas com mão-de-obra mais barata e menos qualificada.


A transformação digital é já uma realidade em muitas destas indústrias que, ao passar pelas mudanças e transformações a que a introdução de tecnologia nos seus processos obriga, necessitam agora, também elas, de mão-de-obra qualificada, com elevados conhecimentos técnicos e muitos colaboradores de perfil tecnológico.
No entanto, se a escassez já era um problema com a procura restrita ao sector das TI, as novas necessidades da indústria vêm agravar as dificuldades de atracção de talento, com uma clara desvantagem para este tipo de empresas. Mas então qual é a solução? Uma delas passa por estimular a aproximação às universidades, politécnicos e escolas profissionais. Muitas empresas industriais já perceberam que a aposta em parcerias com o mundo académico, além de estreitar relações entre os dois mundos, pode ser vantajosa para ambas as partes. Do lado das organizações é possível identificar talentos, envolvê-los desde cedo com a sua marca, levar a realidade empresarial às salas de aula e participar na adaptação e melhoramento de currículos académicos, de forma a que deem uma resposta mais adequada às necessidades do mundo empresarial. Do lado da academia, a grande vantagem passa pelo conhecimento mais aproximado da realidade empresarial, mas também pela possibilidade de tornar comerciais ideias e projectos desenvolvidos internamente, ou pelo apoio financeiro proporcionado pelas organizações.


Este trabalho em conjunto é particularmente importante fora dos grandes centros urbanos, uma vez que a falta de centralidade é, muitas vezes, pouco atractiva para quem está a iniciar uma carreira e procura desafios mais globais. Contudo, a verdade é que existem vários bons exemplos em que estas parcerias ajudaram a colmatar as necessidades das empresas.
Outra solução para estas empresas de raiz industrial que procuram perfis mais técnicos e qualificados passa pela requalificação da mão-de-obra interna. Para algumas empresas bastará olhar para dentro e tentar identificar quais os colaboradores com perfil para abraçar os novos e mais exigentes desafios proporcionados pela introdução da tecnologia, e convidá-los a fazer a formação mais adequada às suas novas funções, com o apoio da entidade patronal. As grandes vantagens deste modelo de requalificação passam pelo aproveitamento de todo o conhecimento que o colaborador já tem sobre a empresa e o seu negócio, necessitando apenas de reforçar a componente de skills técnicas e/ou tecnológicas. Outro benefício ainda passa pelo empowerment das equipas internas e pelo aumento da capacidade de transferência de conhecimento destes colaboradores dentro da organização. “Os casos de maior sucesso na conversão à Indústria 4.0 são precisamente aqueles que investiram significativamente em reskilling (requalificação dos recursos humanos existentes, com grande know-how operativo), e os complementaram selectivamente com perfis especializados para uma crescente digitalização da empresa”, assegura Nuno Catarino, senior partner em Lisboa, da McKinsey & Company.

O desafio das low skills
Outro grande desafio para a indústria nacional, também este transversal a todos os sectores, é o elevado número de pessoas com níveis de formação baixos. Especialmente quando falamos do chão de fábrica, é comum que grande parte dos recursos humanos sejam menos qualificados. Uma situação que, até há poucos anos, não era vista como um problema, mas que ganha importância e dimensão de dificuldade à medida que mais negócios iniciam a sua transformação digital e o caminho para a i4.0. Aliás, como refere Nuno Catarino, “a maioria dos executivos seniores a nível global reconhece que as suas empresas não estão adequadamente preparadas para suprir as lacunas de capacidades actuais”. Em Portugal, a situação é semelhante. Apesar do sucesso no desenvolvimento e disponibilidade de capacidades e competências a nível doméstico, “Portugal ainda se encontra mal classificado no desenvolvimento contínuo e atracção de talentos após a entrada no mercado de trabalho, como por exemplo, no IMD World Talent Ranking”, salienta ainda o partner da McKinsey quando questionado sobre esta temática.
Nuno Catarino revela que o mesmo ranking conclui que os gestores, a nível global, consideram as alterações necessárias nos recursos humanos como a componente mais crítica e com maior dificuldade de implementação, quando comparado com as componentes técnicas (por exemplo, operativas). A mesma análise deixa ainda a recomendação às empresas portuguesas para que assegurem o planeamento da força de trabalho necessária, identifiquem lacunas de competências (capacidades actuais versus requisitos futuros), e executem iniciativas de requalificação da sua força de trabalho a nível interno (por exemplo, criação ou melhoria das academias de formação das empresas), e externo (na contratação directa dos perfis em falta, parcerias com entidades especializadas como start-ups ou universidades, e/ou aquisição de empresas com competências específicas e consideradas críticas).

Retenção nas mãos dos gestores
O capital humano é hoje um dos activos mais valiosos nas organizações e determinante na sua diferenciação, seja qual for o seu negócio e sector de actuação. É por isso que o desafio de reter talentos é tão, ou mais, difícil do que a sua contratação. Os candidatos, especialmente os mais qualificados, são quem tem o poder de decisão num mercado que luta para conseguir os melhores.
E é aqui que as empresas têm de diferenciar-se. Já não basta oferecer um bom salário, equipamentos informáticos e telemóvel ou, até, seguro de saúde, para garantir a atractividade. Os gestores têm que concentrar os seus esforços em garantir que oferecem um posto de trabalho com boas oportunidades de carreira, flexibilidade, valores sustentáveis e impacto na comunidade. No entanto, esta postura exige grandes mudanças nas lideranças, mas também nos ambientes de trabalho e nas políticas de gestão de pessoas. Os especialistas acreditam que as coisas estão a mudar, apesar de na indústria tradicional esta mudança ser tendencialmente mais lenta. Ainda assim existem bons exemplos que estão a apontar o caminho do futuro.

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