Ecossistemas são o futuro da indústria

A Indústria 4.0 traz consigo novas formas de produzir que se materializam em produtos de elevada qualidade, com menores custos e desperdícios ao longo de toda a cadeia de valor, fabricados em ambiente de ecossistema inteligente, no qual os processos são integrados, autónomos e flexíveis

A presença de cada vez mais empresas industriais na cena global obriga a ter uma gestão mais ágil e eficaz da produção, impulsionada por tecnologias state-of-the-art como a internet das coisas (IoT), a cloud, a análise avançada de dados, a operação remota, a robótica ou a impressão 3D. A integração destas ferramentas, possível sob o paradigma da Indústria 4.0, torna os processos mais eficazes e inteligentes, interligando todo o ciclo de vida do produto.


Contudo, para que esta transformação tenha eficácia e alcance precisa de permear todas as áreas da organização, atravessando desde o modelo de negócio aos aspectos organizacionais e de gestão, considerando sempre três dimensões essenciais. São elas: a digitalização da produção, que permite a integração de sistemas de informação avançados que ajudam na gestão e no planeamento da produção; a automatização, através da implementação de sistemas avançados de produção e linhas de produção inteligentes; e o intercâmbio automático de dados, que assegura a ligação entre equipamentos, sistemas, pessoas e produtos, para uma gestão global da cadeia de valor.


Numa ‘fábrica inteligente’, além dos impactos na produtividade, eficiência e competitividade, o braço tecnológico permite uma flexibilização da produção, com vista a adaptá-la mais facilmente quer às variações da procura quer a especificidades definidas pelo consumidor. Há, por isso, uma maior capacidade de personalização que, no entanto, não penaliza o volume produtivo.


Adicionalmente, tecnologias emergentes como o 5G (quinta geração de internet móvel) começam também a mostrar-se como apoios importantes à inovação, podendo vir a contribuir ainda mais para este novo modelo de produtividade. Entre os operadores de telecomunicações e fornecedores de redes e soluções, a preparação para a nova vaga tecnológica das comunicações já está em curso, com alguns pilotos realizados a demonstrar a importância que poderão vir a ter no chão de fábrica e em toda a Indústria 4.0.

5G na indústria? Sim, mas como?
O 5G será um enabler tecnológico da quarta revolução industrial, defendem operadores de telecomunicações nacionais, como a NOS e a Altice, e fornecedores de soluções e redes como a Nokia Solutions and Networks Portugal. “Há um enorme potencial no 5G para a indústria, saúde, energia, transportes e muitos outros sectores”, afirma fonte oficial da Nokia que acrescenta: “Mais do que com as actuais redes móveis, as redes 5G conectam sensores, máquinas, plataformas, sistemas e pessoas, formando um ecossistema automatizado e integrado que opera em ambientes críticos, em termos de fiabilidade, capacidade, segurança e uma baixa latência”. Luís Alveirinho, chief technology officer da Altice Portugal, complementa: “O 5G terá um papel fundamental ao impulsionar a era da conectividade inteligente, capaz de tirar partido de tempos de resposta inalcançáveis com as tecnologias actuais para assegurar novos cenários de interactividade digital, assim como de reforçar uma aposta em aplicações para o mercado B2B e B2B2C, como o IoT, automação industrial e serviços críticos, nomeadamente na área da saúde, smart grids, smart cities, Indústria 4.0, veículos autónomos, etc., sendo um factor relevante no desenvolvimento da economia de cada país e do mundo em geral”.


Transversais a todos os sectores, as aplicações do 5G são quase ilimitadas mas, segundo a Nokia Solutions and Networks, são particularmente adequadas para fábricas, automação industrial, indústria mineira, cidades inteligentes, uso de drones, energia e comunicações aplicadas à segurança pública. Em ambiente fabril, exemplifica a empresa, os locais de fabricação exigem uma conectividade estável entre dispositivos IoT. “O ruído de fundo das máquinas e o movimento das pessoas podem interferir nas comunicações sem fios, mas o 5G mitiga esses aspectos e oferece a fiabilidade e a estabilidade necessárias para manter e melhorar as operações. O 5G também permite a conectividade necessária ao aumento do nível de automação numa fábrica e dos equipamentos de linha de produção, além de aumentar a produtividade de operadores de máquinas através de IA (inteligência artificial) e IoT”.


No que se refere aos benefícios da nova tecnologia de comunicações, Luís Santo, responsável pelo programa de 5G da NOS, destaca a eficiência, mas também uma dimensão de qualidade. “A Europa enfrenta o desafio da produção em massa que chega da China, cuja diferenciação terá que ser feita pela qualidade”. Já Luís Alveirinho salienta, além da maior velocidade da comunicação, os ganhos significativos de desempenho do 5G, que garante tempos de resposta significativamente menores e maior fiabilidade. “O 5G é um gigantesco passo em frente na corrida global para a digitalização das economias e das sociedades, potenciando novos cenários de utilização que maximizam o potencial da cloud na construção de soluções diferenciadoras, ao mesmo tempo que possibilita a exploração de novos modelos de negócio que permitem um grau de competitividade ímpar às novas competências digitais que actualmente nos colocam a par do melhor que se faz no mundo”.


Na perspectiva da Nokia, os benefícios do 5G para a cadeia de valor empresarial são transformacionais e incluem melhorias nos processos produtivos e de mercado, tais como no controlo de inventários, equipamentos e veículos com conectividade sem fios generalizada e aplicativos inteligentes. “Ao superar as limitações do wi-fi para conectar uma infinidade de sensores, scanners, máquinas e pessoas, a tecnologia sem fios privada, de nível industrial, garantirá o fluxo confiável de informações críticas de negócios em ambientes semi ou altamente automatizados – desde a evolução das operações de terminais portuários até à optimização logística de armazéns e frotas”, salienta a empresa.

Uma oportunidade para Portugal
Apesar do futuro promissor que todos antecipam para esta tecnologia, o 5G tem ainda um longo caminho a percorrer e alguns obstáculos para ultrapassar. Luís Santo destaca a maturidade tecnológica que será necessário atingir para tirar verdadeiro partido do seu potencial mas, alerta, “há também desafios de linguagem entre os operadores e a indústria. Há um período de aprendizagem mas nenhuma das partes pode trabalhar sozinha. É preciso criar um ecossistema”.


Um segundo desafio, refere a Nokia, é o facto de os standards do 5G estarem ainda em progresso. “Até hoje houve um foco na melhoria da banda larga móvel, mas os ecossistemas industriais 5G ainda estão a ser desenvolvidos. Por outro lado, as redes privadas LTE/4G desempenham actualmente um papel fundamental, pois já oferecem uma grande mudança em comparação às tecnologias usadas hoje em áreas industriais”, explica Stephane Daeuble, directora de Marketing Enterprise Solutions da empresa. Com o LTE/4G, os industriais têm acesso a uma solução de conectividade sem fios suficientemente fiável para iniciar a sua jornada de digitalização e obter vantagens competitivas, fornecendo um ponto de partida sólido para a Indústria 4.0 hoje, ao mesmo tempo que facilita a evolução para o 5G para ainda mais possibilidades.


Já para a Altice, este trabalho de preparação tem que ser feito rapidamente. “Portugal regista já um atraso considerável, e até irreversível, em relação à definição da implementação do 5G, colocando o nosso país na cauda da Europa”, aponta Luís Alveirinho. Na sua opinião, a introdução do 5G na Indústria 4.0 é já um processo bastante complexo, pelo que todo o atraso pode comprometer ainda mais esta adopção. Contudo, “os operadores, face ao seu posicionamento de economias de escala e de cobertura, afiguram-se como parceiros naturais para as empresas no desenvolvimento da indústria 4.0”.

Antecipar o futuro da aeronáutica

Inovar no processo produtivo e garantir uma maior personalização do produto, mantendo o volume, são práticas habituais na Embraer, que iniciou a transformação digital das suas fábricas há quase duas décadas

Antes da generalização do conceito de Indústria 4.0, a tecnologia já tinha chegado ao chão de fábrica na Embraer. A transformação digital global da companhia de origem brasileira começou no virar do século, antecipando tendências. Quando a realidade virtual não passava de um conceito de filmes de Hollywood, a tecnologia já era usada pela empresa no processo de fabrico. Segundo a multinacional, este é um dos marcos da sua evolução tecnológica.


Evitar erros na produção e detectar eventuais problemas na concepção do produto final são algumas das vantagens do uso de ferramentas de realidade virtual em ambiente de chão de fábrica. E, no caso da Embraer, “esta tecnologia permite a diferentes equipas estudarem a integração de sistemas na aeronave em 3D, antecipando eventuais dificuldades que seriam enfrentadas no mundo físico, e procurando soluções alternativas ainda antes da montagem das aeronaves começar”, diz fonte oficial da empresa.


Mais tarde, a adopção de robôs, em 2007, ou a integração do MES (sistema de execução de manufactura), a partir de 2012, materializaram o conceito de fábrica digital ao permitir a fornecedores e profissionais da linha de produção prescindirem das instruções em papel e aceder aos modelos 3D e às instruções em tempo real. Mais recentemente, a partir da introdução da linha dos jatos comerciais E2, em 2015, a Embraer avançou ainda mais, “tornando-se a primeira empresa a adoptar gabaritos móveis na montagem da asa, que ganha mais automatização”, revela a mesma fonte.
Em Portugal, o complexo fabril composto por duas fábricas, às portas de Évora, foi inaugurado em 2012 e pensado, desde o início, para integrar toda a tecnologia de ponta do grupo empresarial. Do Alentejo para todo o mundo saem asas, ailerons, spoilers, estabilizadores e outros componentes para aviões, em materiais compósitos e metálicos.

Inovação de A a Z
Um dos erros frequentes das empresas é encarar a inovação de forma redutora, aplicando-a apenas a uma parte da cadeia de valor do negócio e não transversalmente. Uma visão muito distinta da adoptada pela Embraer. Segundo a empresa, “a inovação é transversal: ocorre em modelo de negócios, parcerias, processos, gestão, serviços e diversificação de negócios”, numa visão de longo prazo, como não poderia deixar de ser numa indústria como a aeronáutica. Toda esta estratégia é apoiada em parcerias com universidades, institutos de pesquisa e outras empresas em diversas regiões do mundo, com todo o processo de fabrico a beneficiar das novas tecnologias.


O aumento da produtividade é, com esta estratégia, uma consequência natural. A empresa exemplifica: a introdução de robôs num dos seus armazém de peças, integrado com as ferramentas de gestão SAP, permitiu em dois meses triplicar a produtividade e reduzir em 70% a área de armazenamento. Com a nova solução de alta densidade, os robôs distribuem as peças conforme os pedidos por parte da produção e o sistema organiza o fluxo de disposição das peças para facilitar o trabalho dos operadores.


Outro exemplo, neste caso com a utilização de Inteligência Artificial (IA), é o sistema de gestão da saúde dos robôs. Ou seja, a tecnologia acompanha a qualidade dos furos realizados na asa do E2 (linha de jatos comerciais) e aponta qualquer tendência milimétrica de desvio causado pelo desgaste da broca de furo. A empresa evita, desta forma, o abate desnecessário de material e grandes períodos de indisponibilidade do robô.

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