António Rios de Amorim, CEO Corticeira Amorim, Presidente da Direção da COTEC Portugal
Portugal precisa transformar conhecimento em valor
António Rios de Amorim defende que deveria existir um maior elo entre a universidade e as empresas e que a investigação deveria ser feita no chão da fábrica. Conhecimento sem aplicação prática não traz valor, entende o empresário, que é também Presidente da COTEC.
A IMPORTÂNCIA DAS GRANDES EMPRESAS NA INOVAÇÃO
Portugal é dos países da Europa onde as grandes empresas representam menos na economia, o que significa que temos de cuidar das pequenas empresas. A COTEC, ao fomentar os desígnios da inovação destas PME, criando-lhes o bichinho, o desafio, ao possibilitar a candidatura a programas, a apresentar o seu case-study, está a puxar pela sua ambição. Isto é importante porque queremos que as pequenas empresas sejam médias, que as médias sejam grandes e que as grandes sejam globais. O nosso problema não é criar novas empresas, não é fazê-las crescer, o nosso problema é que a partir de uma determinada dimensão, a empresa média não passa a grande. Temos de tirar o teto a estas empresas e isso faz-se com ambição. Qualquer grande empresa cria à sua volta um cluster de outras sociedades e se esse cluster puder ser desafiado pelas grandes, vamos ter, claramente, PME com mais qualidade, mais capacidade de intervir, de fornecer as grandes empresas, vamos ter mais desafio à inovação. Este efeito de arrasto que as grandes empresas têm junto das mais pequenas é absolutamente decisivo. Por isso é que acho que é muito importante em Portugal que se criem mais grandes empresas. Quanto maiores forem as empresas, mais vão arrastar as PME a internacionalizarem-se e a inovarem.
TEMAS-CHAVE DAS EMPRESAS
Inovação não é só tecnologia. Inovação pode ser, por exemplo nos modelos de governance. Noutro organismo onde estou, chegámos à conclusão que, para que as empresas cresçam, o principal fator é a evolução do seu modelo de governance. Percebo que também temos que atender à conjuntura, pois estamos a falar de um momento de total incerteza. Criámos, na Corticeira Amorim, uma comissão de riscos, e a primeira coisa que fizemos foi contactar 100 pessoas dentro da empresa para identificarem quais eram os principais riscos que identificavam no futuro da atividade. Dos primeiros cinco, garanto que se não fosse este contexto pandémico, ninguém falaria deles. Desvalorizar o tema da descarbonização é uma resposta afetada pelo período que vivemos, mas se retirarmos este espectro, que temos no curto prazo, tenho a certeza de que, hoje em dia, ninguém ia desvalorizar esse tema, porque isso é uma imposição dos próprios mercados. Quem não valoriza esse tema, ou não está exposto internacionalmente ou, se se começar a expor a mercados internacionais, vai ver que essa é uma exigência por parte das cadeias de distribuição, por parte dos consumidores. E há uma coisa que não foi abandonada com esta crise, que é toda a questão da sustentabilidade. Pode ter sido adiada, mas não foi abandonada. Se calhar, não é a prioridade número um, ou número dois, ou número três, mas há-de ser a número quatro, cinco ou seis. As grandes empresas são o motor desta alteração. Sabemos que a performance é medida pelo resultado, seja qual for. Isso é a performance económica. A performance social há de ser o bem-estar das pessoas. Se nós tivéssemos em todas as empresas – grandes, médias e algumas pequenas – medidas de ESG, claramente que tínhamos uma margem de progressão completamente diferente.
A INOVAÇÃO E A CORTICEIRA AMORIM
Na nossa indústria, vivemos um período muito crítico há vinte e tal anos, quando o plástico e as cápsulas de alumínio entraram no mercado. Na altura, a ameaça que isso conferia ao sector da cortiça era de tal forma grande que nos questionámos se estávamos a dar os passos certos, se devíamos fazer cápsulas de plástico e de alumínio ou se nos devíamos manter na cortiça. A decisão, na altura, inteligente do meu ponto de vista, e também a defendi na época, foi de ficarmos na cortiça, porque a margem de progressão que tínhamos para evoluir era muito grande. E, portanto, fomos buscar professores doutores às universidades, trouxemo-los para dentro da nossa casa, criámos centros de I&D, começámos a apostar em novas tecnologias, em novos produtos, em novos modos de melhorar a performance dos produtos, e isto tudo demorou tempo. Mas hoje em dia temos os problemas de performance resolvidos, a indústria e a cortiça credibilizada, e hoje só queremos evidenciar as vantagens que tem a cortiça relativamente às desvantagens que nos eram apontadas anteriormente.
A LIGAÇÃO EMPRESAS-UNIVERSIDADES
Acho muito relevante a questão da relação das empresas às universidades e não entendo porque se mantêm separadas. O investigador tem de estar dentro da empresa, tem que viver o ambiente da empresa, tem de sentir o pulsar da empresa e, portanto, se o professor doutor não pode lá estar porque tem as suas aulas para dar, há de ter um aluno mais qualificado que possa seguir as instruções, que venha para dentro da empresa e a ajude a evoluir. As nossas universidades querem investigação, mas aquilo que as empresas querem é o desenvolvimento e a inovação, ou seja, colocar aquilo que se investiga no chão de fábrica. Este elo só acontece se conseguirmos deslocalizar uma parte significativa da investigação para o chão de fábrica, e falar a linguagem das empresas. Empregamos dezenas de doutorados, portanto, não fazemos diferença entre um doutorado e um licenciado, são todos colaboradores da empresa, com o seu know-how, com o seu conhecimento. Aquilo que Portugal precisa não é de desenvolver conhecimento, é transformar esse conhecimento em valor. A missão das universidades é desenvolver conhecimento, aos serem desafiadas pelas empresas. Converter conhecimento em valor já é o trabalho das empresas. Para um investigador tanto conta fazer um projeto de investigação para um paper ou para uma tese baseada num caso real ou baseada num caso teórico. Se ele fizer num caso real, alguém vai beneficiar com isso. Eu revejo-me muito nesta possibilidade de trazer os doutorados, em part-time ou full-time, para dentro das empresas, que façam parte dos órgãos de governance, que estejam lá todos os dias. Entendo que os universitários ficarem nas universidades e os empresários nas empresas não funciona. É preciso haver aqui uma migração. Por experiência própria, o investigador, o professor doutor, é quase como o consultor. Quando entregamos um trabalho ao consultor, criamos a expectativa que vamos ter os problemas todos resolvidos. E depois, quando o consultor entrega o trabalho à empresa, percebemos que não resolveu problema nenhum e que quem tem de resolver o problema é a empresa. Mas, no fundo, ele abriu ali três ou quatro perspetivas muito interessantes.
Pedro Bissaia Barreto, Administrador Executivo do Banco BPI
É necessário mudar a atitude nos negócios e aceitar o erro
Pedro Bissaia Barreto acredita que é preciso segmentar e especializar e, sobretudo, é necessário que as empresas mudem a sua atitude perante as crises, porque o mais importante na gestão é a atitude nos momentos difíceis. Temos também muita intolerância ao erro, e sem isso não se avança.
A IMPORTÂNCIA DA COTEC
A COTEC é uma associação fundamental para aproximar as empresas de temas muito relevantes para o seu futuro, nomeadamente o que é a inovação. É uma associação que permite distinguir aquilo que de melhor se faz no nosso país e o BPI também tem aí um papel importante com o Prémio PME Inovação. Devo confessar que fiquei agradavelmente surpreendido com a importância que as empresas dão a essa distinção. Destacar aquilo que melhor se faz e partilhar esta informação num país em que notícias são as más notícias, é relevante. Acho que o BPI e a COTEC também têm contribuído para partilhar as boas notícias. Temos vários prémios, como o Prémio PME Inovação, temos o prémio da Mulher Empresária, temos um Prémio Nacional de Cultura, temos um prémio Nacional de Turismo e, no fundo, o que tentamos fazer é dar boas notícias, puxando para cima.
A INOVAÇÃO EM PORTUGAL
Acho que as empresas têm feito um trabalho notável, os investimentos em investigação e desenvolvimento aumentaram muito desde que a COTEC existe, mas acho que ainda estão muito aquém daquilo que deviam ser, pois, em média, não chegam ainda a 2% dos investimentos. Porém, a prova desta melhoria é que o tecido empresarial tem mais resiliência, na maior parte das empresas, apesar da adaptação e captação de processos. Hoje em dia ouvimos falar em Lean e logística a toda a hora e há uns anos ninguém sabia o que isso era. Portanto, acredito que temos uma estrutura de inovação muito mais robusta. Além disso, houve um grande salto nas universidades também, embora eu ache que há, na formação e na requalificação, um caminho enorme a percorrer.
A ARTICULAÇÃO UNIVERSIDADES – EMPRESAS
Na parte da formação, acho que as universidades melhoraram muito, mas há muito trabalho ainda por fazer. Há muito por fazer também ao nível do secundário, porque os alunos não têm educação informática. Como é que é possível? Há uma coisa chamada TIC, tecnologias da informação e da comunicação, onde não aprendem absolutamente nada. Da mesma forma que defendo que deveriam ter formação em responsabilidade social, que, provavelmente vai ser o futuro deles. É preciso que as escolas mudem completamente a sua filosofia. As escolas têm de ter uma maior flexibilidade, em que os alunos possam ter até 30% do tempo para fazerem outras coisas. E, portanto, aquelas escolas que não ensinam informática, que seguem à risca os programas governamentais, sem flexibilidade e sem optarem por outras áreas, quer seja responsabilidade social, informática, teatro, para incentivar os jovens a falar em público, essas escolas têm de mudar. Temos também de pôr em cima da mesa o tema da requalificação e a questão de como é que vamos gerir o problema da geração dos mil euros. Isto é, as pessoas saem da universidade e ganham mil euros, cinco anos depois ganham 1200 euros e, por isso, os melhores vão lá para fora.
FORMAÇÃO E REQUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL
A formação vai desde a requalificação profissional à adoção de metodologias de Lean, de processos na generalidade das empresas, à mudança de atitude e à formação das novas gerações. Temas como a gestão de projetos, como falar em público, como estagiar em empresas, tudo isso são áreas em que a COTEC tem um papel fundamental. Penso que isso não deve ser muito difícil, desde que as universidades tenham os canais abertos, deve ser possível fazer o elo entre as universidades e as empresas. Mostrar às empresas que têm 30 finalistas disponíveis para um estágio remunerado, de seis meses ou um ano para aprenderem. Mas claro que isto, se calhar, funciona melhor nas grandes empresas, e para isso há que fazer uma segmentação. Nos Estados Unidos, há um prémio que consiste em ir falar com miúdos sobre empreendedorismo, nas escolas, e ouvir os que têm ideias de empresas. Um bom exemplo de um vencedor foi um miúdo, com 16 anos, que provou que os computadores ao fim de X anos não estão obsoletos. Como tal, criou uma empresa de economia circular. E isto é só um exemplo do que poderia ser feito.
SEGMENTAR AS EMPRESAS E OS NEGÓCIOS
Há duas coisas que para mim são claríssimas, que é a segmentação e a especialização. Em relação ao segmento alto, ao segmento das grandes empresas, tem de se acabar com o complexo dos diferentes governos em relação às grandes empresas, porque acham sempre que estas não precisam de ajuda e isso é um erro brutal para o desenvolvimento do país. Na parte das médias empresas, há um trabalho enorme das novas formas de gestão para disseminar o Project Based-Learning, dos projetos Lean, ter um papel de incentivar as empresas, porque as pequenas empresas podem beneficiar muito com isso. E depois toda a parte da formação universitária e dos docentes. Portanto, acho que isto tem tudo de ser segmentado. Só para dar um exemplo, criei no BPI uma equipa especializada em agricultura, uma equipa especializada em turismo, uma especializada em imobiliário e esta estratégia deu logo resultados. Depois, é fundamental mudar a atitude. Na pandemia organizámos uns webinares e convidámos para orador o Ferran Adrià, um dos melhores chefes do mundo. E estavam a assistir vários clientes da área do turismo. Há uma senhora que pergunta “perante esta pandemia o que é que nos aconselha em termos de inovação?” E ele diz “inovação? Nada, vocês têm de mudar a vossa atitude porque já cozinham bem, já têm uns restaurantes ótimos, agora têm de mudar de atitude. Fechavam ao domingo e agora que têm clientes ao domingo, já não podem fechar ao domingo. Não faziam takeaway, passam a fazer takeaway”. Isto é uma mudança de atitude, porque o mais importante na gestão é a atitude nos momentos difíceis, não é se a pessoa é inteligente ou não é inteligente, mas sim a forma como reage perante um problema, e as crises ajudam muito a ter a atitude que seja certa. Se tenho uma pandemia e isto vai implodir, corta 50% daqui, 50% dali, mas essa atitude é muito difícil quando as coisas estão a rolar normalmente. Eu acho que a COTEC pode ter aqui um papel importante e incentivar esta cultura de abertura para a mudança sem medo de errar. Porque há aqui um problema, e preferimos não tentar a errar, porque temos uma grande intolerância ao erro, e isso não é possível, se quisermos avançar.
Vasco de Mello, Presidente da Brisa e do Grupo José de Mello
Um país não deve viver exclusivamente de serviços
Vasco de Mello defende que a não-aposta na indústria é negativa, pois um país não deve viver só com o foco nos serviços. Por isso, é importante reindustrializar a Europa e, sobretudo, Portugal.
A INOVAÇÃO E O PAPEL DA COTEC
A COTEC iniciou sua atividade numa altura em que o tema da inovação em Portugal não estava na ordem do dia e não era percebido como um fator distintivo e fundamental para a competitividade das empresas. E a COTEC foi, ao longo dos anos, ajustando o seu posicionamento, mas sempre na promoção da inovação como fator fundamental de desenvolvimento do país e das suas empresas. Hoje está bem posicionada e é, claramente, uma referência na promoção da inovação. Tendo sido inicialmente criada por, na sua larga maioria, grandes empresas, tanto nacionais como internacionais, conseguiu identificar, desde muito cedo a importância de puxar pelas pequenas e médias empresas na direção da inovação. Outro desafio para as empresas é a sua relação com o Estado, sobretudo no tema dos subsídios. Porque este assunto tem sempre um aspeto relevante: depois da sua aplicação deve ter um efeito multiplicador, porque se não tiver esse efeito, no fundo tem apenas um efeito de anestesia, porque permite pensar que as coisas não estão a correr mal, e anos depois vemos que desperdiçámos os fundos e não os conseguimos aplicar adequadamente. É muito importante conseguir colocar Portugal na linha da frente dos países que inovam e que conseguem transformar essa inovação em valor.
DIÁLOGO ENTRE AS GRANDES EMPRESAS E AS STARTUPS
São conjuntos muito diferentes de empresas e, como tal, com necessidades muito diferentes também, mas julgo que a questão das startups é hoje um assunto muito interessante, onde a inovação é o elemento estrutural e estruturante da sua atividade. Eu reconheço uma verdadeira importância das startups no tecido empresarial, pois são projetos que se transformam em grandes empresas muito rapidamente, isto apesar de se falar de que são empresas que não têm tração, ou que não empregam tanta gente como outras empresas. Portanto, é fundamental ter uma discussão muito profunda sobre este tema, mas percebo que provavelmente não estaremos a dar resposta ao que essas empresas novas necessitam. Reconheço que este é um exercício muito difícil, porque quando se fala com empresas tecnológicas e empresas de plataformas, elas têm uma visão e uma forma de atuar onde, para a sua atividade, 10 minutos representam 60 minutos para as outras empresas mais tradicionais.
O RENASCIMENTO INDUSTRIAL DA EUROPA
Penso que hoje a indústria é muito diferente daquilo que foi no passado. Quando se pensava em indústria, pensava-se em equipamentos pesados, e na separação de todas as atividades a jusante. Hoje a indústria, apesar de continuar a ser indústria, é cada vez mais complementada por serviços, que vão representar uma parte importante da atividade. Mas, acredito que, no seu todo, não será a mais relevante. Porque considero que não haver indústria é extraordinariamente negativo, e não podemos pensar que um país deva ser exclusivamente de serviços, pois não é um bom caminho. Portanto, é importante termos a ambição de podermos beneficiar daquilo que é a necessidade de reindustrialização da Europa e de Portugal. No fundo, esse conceito de renascimento industrial é a reindustrialização onde as componentes tecnológicas, de digitalização e de inovação terão um papel fundamental. Uma atividade industrial que hoje não tenha em consideração toda a área da logística, de uma forma mais ampla, vai enfrentar muitíssimos problemas.
A RELAÇÃO EMPRESARIAL COM A ACADEMIA
Tem havido um aprofundamento e uma melhoria muito grande nas relações entre as universidades e as empresas, isso é seguro. Esse relacionamento mais robusto tem partido essencialmente do lado das empresas. Isto não é necessariamente uma crítica, mas entendo que é uma oportunidade de as universidades colocarem como elemento central os seus clientes e, nesta perspetiva, as empresas são os seus clientes e são clientes importantes. Por isso, as universidades devem desafiar as empresas para que possam identificar e resolver problemas. Este aprofundar de relações tem acelerado nos últimos 10 anos, em que se tem assistido a um percurso muito interessante, mas que provavelmente é ainda insuficiente, principalmente se estivermos a pensar nas PME. É claro que há barreiras de nível organizacional e considero que hoje um dos temas essenciais é que nós, empresários, temos de dar resposta aos desafios do governo das nossas empresas. As universidades e os politécnicos são os dois atores relevantes nesta discussão e do meu ponto de vista deveriam tentar diferenciar-se mais e os politécnicos concentrarem-se mais naquilo que é a componente técnica. A questão é que, agora, os politécnicos pretendem ser universidades e acho que não deveria ser esse o seu objetivo, porque conseguiriam distinguirem-se melhor e competir de uma forma mais eficaz se fosse de outro modo.
ATRAÇÃO DE MAIS MULHERES PARA AS ENGENHARIAS
Acho que também aí deveria ser interessante investir esforços em promover a participação de mulheres na engenharia, ou pelo menos haver maior diversidade. Portanto, deveríamos conseguir atrair mais mulheres, uma vez que há muitas e muito válidas, e trazê-las mais para as áreas da matemática, da ciência e da engenharia.
Paulo Pereira da Silva, Presidente do Conselho de Administração da Renova
Temos uma enorme falta de marcas e são elas que cativam o valor
Sendo a Renova um case-study a nível mundial, Paulo Pereira da Silva acredita que só as marcas trazem verdadeiro valor ao País. Para se ter marcas fortes é necessário investir em inovação constante.
A INOVAÇÃO E O PAPEL DA COTEC
Os assuntos ligados à inovação têm uma enorme importância em Portugal. A COTEC tem um papel que é muito interessante, porque serve de inspiração para a indústria, através da partilha de ideias, de tecnologias, de maneiras de trabalhar. É uma instituição com independência, sempre senti que era respeitada independentemente dos partidos que estivessem no governo. Um dos problemas grandes em Portugal – e, se calhar, em toda a Europa – tem a ver com as legislaturas. É que cada legislatura aparece com uma estratégia diferente e depois vem a seguinte e deita-a fora e recomeça tudo de novo, havendo muito pouca continuidade. A China, por exemplo, consegue ter estratégias e visões de médio prazo que nós, aqui, não conseguimos porque estamos sempre com esta visão um pouco míope de só ver os próximos anos da legislatura, e às vezes não há uma continuidade nos programas, nas coisas, nas ideias, não há uma estabilidade.
AVANÇOS NA INOVAÇÃO E NA CRIATIVIDADE ENQUANTO TEMAS PÚBLICOS
Houve melhorias em pôr a inovação e a criatividade na agenda, sim, sobretudo ao nível das universidades. Agora, se me pergunta: houve alguma mudança no crescimento do PIB português? Não, pelo contrário, vejo um decrescimento de década a década, com uma enorme gravidade. O crescimento do PIB médio nas últimas décadas é um desastre perfeito. Um dos problemas para o PIB português ser baixo, não é que os portugueses queiram trabalhar pouco, ou de não termos inovação, é que temos uma enorme incapacidade em cativar o valor que criamos, ou seja, criamos marcas para terceiros. Temos uma indústria de moldes, provavelmente a melhor do mundo, mas não temos uma única marca que use esses moldes, que a faça criar valor. Somos muito inovadores na indústria, mas estamos a trabalhar para os outros, que vão ficar com esse valor. Temos, a todos os níveis, uma enorme falta de marcas. É uma batalha minha há muitos anos, porque são as marcas que vão cativar o valor. Porque se fizermos só produtos industriais, não vamos cativar o intangível. Em França por exemplo, o valor das marcas no PIB francês é uma coisa perfeitamente incrível.
A LIGAÇÃO DAS MARCAS À INOVAÇÃO E À TECNOLOGIA
Não há marcas sem inovação, porque as marcas, na sua própria génese, têm de estar sempre a reinventar-se. É uma coisa que nunca está acabada, e isso implica uma enorme inovação. Por exemplo, na Laurel (Associação Portuguesa das Marcas de Excelência), uma das coisas que acho muito importante é preservar o savoir faire português, como a ourivesaria, a filigrana, os couros, as madeiras. As pessoas não conseguem viver a vender barato. Estamos a falar de produtos cujo resultado final é um luxo, mas temos de lhe pôr uma marca para criar o dito luxo. É extremamente importante a ligação desses saber-fazer tradicionais à inovação. Um exemplo muito bom é o da cortiça, que tem feito um trabalho absolutamente notável em ligar o tradicional à tecnologia.
O CASE STUDY INTERNACIONAL DA RENOVA
A Renova é realmente um case study, que é estudado no mundo inteiro. Perguntaram-me, no MBA em Stanford, qual tinha sido o trabalho mais importante nos últimos 20 anos. Respondi: foi desestruturar a Renova. Era uma empresa que estava estruturada como uma multinacional e, quando fomos para fora, percebemos que somos apenas uma startup, muito pequenina. Por isso, não podemos ter a mesma estrutura, porque se tivermos a mesma estrutura, morremos. Como só estamos em países desenvolvidos, com produtos premium, com a nossa marca, implica ser como uma startup, em que todas as pessoas têm de saber de tudo. Quando visito uma startup, vejo os miúdos com olhos a brilhar e fico todo contente. É isto que eu quero nas minhas pessoas. Eu não tenho essa dimensão de multinacional, por isso tenho poucas pessoas, mas muito fluidas. Tenho de ter a humildade de perceber que, no mundo, não sou nada, que sou um peixinho muito pequenino num aquário muito grande, onde posso crescer. E, portanto, é fundamental ter a noção da própria dimensão.
DIMENSÃO FÍSICA DO PAÍS
Não sou nada territorial. Portugal é um país muito, muito pequeno. Somos 10 milhões de pessoas, e com ou sem crises, somos muito pobres, e temos, de facto, um problema de demografia que vai piorar. Mas há uma coisa que tenho horror, que é tornar mais pequenino aquilo que é pequeno. Porque as distâncias, hoje em dia, são poucas e, às vezes, o território é usado como desculpa. Posso dizer que o Interior está mais atrasado do que o Litoral ou o Sul, mas estamos todos perto. A Renova está em Torres Novas, a Delta está em Campo Maior, mas não vejo isto como um fator negativo.
SUSTENTABILIDADE E DESMATERIALIZAÇÃO DAS MARCAS E DO LUXO
Isto leva-nos um bocadinho para a questão das marcas de excelência da Laurel, porque do ponto de vista da sustentabilidade, temos de usar cada vez menos recursos. Por vezes, usar menos recursos é ter menos coisas, mas também ter coisas mais criteriosas e que durem mais tempo. Eu gosto muito de reutilizar. Em casa, gostava de estar rodeado de peças que tivessem mais de 500 anos. Reutilizar, reutilizar, reutilizar, e não usar e deitar fora. Portanto, desmaterializar é ótimo, de cada vez que vou viajar, levar a minha biblioteca atrás, que tenho no telefone, mas depois, quando estou em casa, gosto de poder tocar num livro do século XVI. Usar menos átomos, mas também melhores átomos, coisas que durem mais no tempo e que sejam mais criteriosas. Quando se fala nos valores astronómicos da arte, penso que uma das razões tem a ver com essa necessidade de ter também alguma materialidade. Acho que esse equilíbrio é positivo.
Paula Roque, Managing Partner da Revigrés
O investimento na inovação aumenta, mas o impacto nas vendas não melhora
Paula Roque entende que é necessário medir o impacto da inovação nas vendas e que o investimento na inovação é ainda demasiado aplicado em equipamento e maquinaria e não tanto na divulgação, no design ou no marketing.
COTEC E UM APOIO MAIS MICRO
A COTEC Portugal é uma associação empresarial para a inovação, sem fins lucrativos, cujos fundos vêm essencialmente das empresas associadas e algum apoio do Estado ao Programa Indústria 4.0. Parece-me que, mesmo pessoas e profissionais que conhecem bem este mundo empresarial, nem sempre conhecem bem a COTEC Portugal, mas a ideia que tenho é que tem desenvolvido um bom trabalho, com um bom statement de missão e comunicação. Porém, penso que ainda há algum trabalho a fazer.
Acho que seria importante pensar nos resultados práticos obtidos com a inovação. Que inovações gerámos? Que inovações facilitámos e de que forma isso aumentou as vendas nas empresas? Seria importante chegar ao final de um ano de atividade e pensar que ajudámos a empresa X a desenvolver o produto Y e que esta empresa gerou vendas. Penso que era importante esta associação facilitar contactos às empresas, indicar a quem devem recorrer para ir buscar ajuda; como deviam fazer para acelerar e desenvolver o seu produto, ou seja, para obter mais resultados. Tem feito um bom trabalho a nível macro, mas a nível de resultados práticos nas empresas acho que poderia dar uma ajuda maior na ligação com as empresas, e perceber os apoios necessários para cada caso.
LIGAÇÃO ENTRE GRANDESE PEQUENAS EMPRESAS
Entendo que, sobretudo em termos de relações comerciais, temos de potenciar mais o facto de as grandes empresas se poderem mobilizar e dar alguns recursos às PME para potenciar o seu crescimento. Acho que essa seria uma ligação muito interessante. Mas isto é sempre um ponto que eu foco quando falo em relações comerciais, porque acho mesmo que, quando as grandes empresas estão nos mercados internacionais, poderiam ter algum incentivo, para além do incentivo moral, de modo a puxar pelas PME portuguesas. No caso da inovação, também me parece que podíamos potencializar mais essa ligação com as grandes empresas, até pelo conhecimento que estas empresas maiores têm.
A REVIGRÉS E A INOVAÇÃO
Temos vários projetos inovadores na empresa, que têm sido desenvolvidos essencialmente no centro da cerâmica, e nesse âmbito temos algumas ligações às universidades, essencialmente à Universidade de Aveiro. Fizemos, por exemplo, um projeto para dar mais conforto térmico à cerâmica, em que a sensação térmica é mais quente do que a da madeira. Lançámos o produto no mercado e que teve ótima recetividade, mas a nível técnico era preciso avaliar ainda algumas situações. Somos uma empresa reconhecida como inovadora, o que me enche de orgulho. Mas, por vezes, fico com a ideia que, na empresa, as pessoas ainda pensam: “Lá anda esta outra vez a inventar coisas!”.
O FATOR TÉCNICO COMO BARREIRA
Temos lançado vários projetos inovadores, que são bastante interessantes, mas aqueles que tiveram bom impacto comercialmente, acabam por nos trazer dificuldades técnicas. Portanto, nessas situações, acho que era importante haver algumas plataformas que fossem facilitadoras de contacto, que permitissem encontrar as entidades do Sistema Científico e Tecnológico que pudessem ajudar a resolver estas questões. Isto porque, muitas vezes, as equipas fazem os contactos, mas esbarram em qualquer lado, e fica tudo parado. Ou seja, temos vários projetos de inovação diferenciadores, mas os que comercialmente resultaram muito bem levantaram barreiras técnicas que não estão devidamente resolvidas para podermos ter a confiança total de os ter no mercado.
LIGAÇÃO EMPRESAS – ACADEMIA
[Seria útil] uma maior ligação entre os centros tecnológicos das universidades e as empresas. Seria importante a COTEC, por exemplo, tentar fazer maior ligação entre ambos os lados, para depois também poderem ser facilitadores de investimento nas empresas e estabelecer os contactos mais relevantes com as capacidades que existem. Em termos empresariais, Portugal está bem posicionado em relação ao investimento que faz em inovação, mas a questão central é como isso consegue impactar as vendas. Não só do impacto das vendas nas empresas como também o impacto da inovação gerada nas universidades. Os estudos mostram que o investimento na inovação aumenta, mas o impacto não melhora.
Também entendo que o investimento na inovação é demasiado aplicado em equipamento e maquinaria e não tanto na divulgação ou no design. Mas este investimento tem de se focar também na área comercial e no marketing. A inovação mexe com toda a empresa, não é só no departamento de inovação.
Tenho referido várias experiências, entre elas – e porque foi importante para a Revigrés – através de um programa que existia no extinto Centro Português de Design que nos ajudou muito a ficar mais sensíveis ao design. Obtivemos resultados positivos, resultados de vendas, com este programa, em que recebíamos ajuda no recrutamento dos designers mais adequados para cada empresa. Eram estágios para designers, mas havia um consultor que acompanhava a empresa e o estágio, dinamizando ações em conjunto com outras empresas, fortalecendo o networking. Uma dessas designers, que entrou em 2002, ainda trabalha connosco. Na altura tivemos vários estagiários o que foi bastante importante, pois estimulou uma maior sensibilização para o design.
Miguel Almeida, Presidente da Comissão Executiva da NOS
O renascimento industrial não deveria ser subsidiado pelo Estado
Miguel Almeida é cético em relação aos movimentos de renascimento industrial, motivados pelas disrupções das cadeias de abastecimento que surgiram com os constrangimentos da pandemia, se este for centrado nos subsídios públicos, uma vez que o Estado deve abster-se o mais possível de intervir na economia.
AS SINERGIAS ENTRE INDÚSTRIA 4.0 E O 5G
A NOS tem um particular interesse neste programa da Indústria 4.0 porque tem muito a ver com aquilo que desenvolvemos, mas na realidade não há ainda muita coordenação nesse sentido. A Indústria 4.0 tem uma forte componente de 5G, é um pilar das tecnologias associadas ao 5G, mas é na combinação dessas tecnologias que podemos ajudar as empresas, porque esse é o nosso negócio. Essa combinação seria benéfica para as empresas, para a modernização das empresas portuguesas, que é essencial para a sua competitividade. Eu, por defeito, não sou um grande crente nas associações, nem genericamente no mundo associativo, pois vejo demasiadas vezes o mundo associativo ser usado para objetivos individuais em vez dos fins associativos. Mas acredito que, historicamente, a COTEC não é assim, pela forma como nasceu e se desenvolveu, sendo transversal, com um objetivo e propósito claro do lado da inovação. Em relação à indústria 4.0, todo o processo de educação procura uma montra daquilo que o 5G pode fazer pelas empresas, seja de calçado, seja do que for. A maior parte dos nossos empresários não faz a menor ideia de como pode aproveitar esta tecnologia.
O RENASCIMENTO INDUSTRIAL EUROPEU
Acho muito interessante esta questão do renascimento industrial, que surge num contexto político de protecionismo que tem a ver nomeadamente com uma das consequências da Covid-19, que foi a disrupção das cadeias de abastecimento. Por isso, agora já todos parecem achar que faz sentido fabricar perto de casa, para não estar sujeito a este tipo de problemas em geral. E mais em particular nas indústrias criativas, essenciais para o desenvolvimento das economias, porque estas são estratégicas. Há todo um conjunto de movimentos na Europa, mas também nos Estados Unidos, de políticas industriais e de políticas públicas para reforçarem e subsidiarem alguns setores e algumas empresas dentro desses setores, mas isso já não me parece que seja boa ideia. Acredito que o renascimento industrial conseguido a partir de políticas públicas e subsídios se tem revelado má ideia, havendo um desperdício de recursos com prejuízo do consumidor final. Mas admito que isso seja, no limite, uma questão ideológica. Entendo que este modelo de industrialização subsidiada em que são os políticos a identificarem, em teoria, quem são os “cavalos” nos quais vão apostar, não funciona. O Estado deve abster-se de se meter na economia o máximo possível. Eu entendo o papel do Estado, o papel das empresas, mas não acredito em um renascimento industrial que seja resultado de políticas industriais dos governos ou da União Europeia. Se fosse pela produtividade, pela competitividade, se fosse pela inovação, porque criamos clusters que são líderes mundiais, isso sim, seria ótimo. Agora, por decreto, não sou favorável.
O PAPEL DAS MULHERES NA TECONOLOGIA
Penso que temos um problema dramático na engenharia, por falta de atração de mulheres. Estamos a desenhar, internamente, planos de promoção da engenharia e das ciências junto das jovens, precisamente para criar maior apetência das mulheres para as engenharias, que ainda hoje continua a ser muito má. Isto não é bom e tudo o que seja para promover a adesão dos miúdos a terem paixão pela engenharia eu sou muito favorável, porque acredito que isso é um fator essencial para o tal renascimento industrial. Se as empresas estiverem mais próximas das escolas de engenharia é mais natural que assim aconteça, como temos visto nos Estados Unidos, por exemplo. Acho mesmo que, enquanto país, precisamos de atrair mais jovens para as engenharias. Penso que, nos cursos de informática e das comunicações e de eletrónica, a estimativa é que entrem 80% de rapazes e 20% de raparigas em Portugal. E isto auto-alimenta-se, porque não criamos a paixão e não passamos esta imagem das ciências e da engenharia em particular como algo atrativo. Passa-se a ideia de que é algo muito masculino e as raparigas nem sequer querem ir para esses cursos.
José Luís Simões, Presidente do Conselho de Administração da Luís Simões
Precisamos de desenvolvimento industrial e não de renascimento
José Luís Simões entende que não podemos falar em renascimento industrial, porque este nunca existiu verdadeiramente em Portugal, com exceção de dois grandes grupos.
Precisamos sim de mais conhecimento industrial e talento para industrializar o país, e sobretudo quem, com poder, tome decisões no sentido certo.
O FOCO DA COTEC
A COTEC tem sido o foco da concentração do potencial do desenvolvimento do conhecimento. Creio que está tudo muito disperso e é natural porque estamos numa economia de mercado, mas a COTEC nasceu com um propósito bem objetivo de potenciar o desenvolvimento do conhecimento tecnológico em Portugal e umas vezes conseguiu mais que outras. Para já, acredito que houve uma valorização do conhecimento, uma perceção de que afinal temos conhecimento, porque havia muito a ideia de que o conhecimento era uma coisa de fora. Na verdade, os de fora reconhecem mais que temos conhecimento interno do que nós próprios, pois quando as grandes multinacionais concentram aqui recursos e meios tecnológicos não estão só à espera de mão-de-obra mais barata, mas também mão-de-obra bem preparada.
A NECESSIDADE DE ADAPTAÇÃO
Temos o mais moderno centro logístico da Península Ibérica, com o grau mais elevado de automatização, o que quer dizer que se não crescermos e não nos adaptamos ao meio envolvente desaparecemos. Assumimos que somos uma empresa sempre em construção, que temos atitude. Trabalhamos com multinacionais, temos de estar atentos e responder às necessidades dos nossos clientes e ajudá-los a serem competitivos. Se eles não forem competitivos, trocam-nos por outros, ou perdem negócio e, assim, perdemos negócio também. Neste momento temos o desafio da transição digital e, ou mudamos, ou vamos desaparecer. Nos anos 60 e 70 mudou tudo, nos 90 também, e as empresas que sobreviveram foram as que souberam adaptar-se. Estamos num período de grande exigência intelectual, que precisa de talento, mas temos gente bem preparada, jovens muito disponíveis para fazerem coisas interessantes, mas têm de ser desafiados, têm de se envolver em projetos concretos.
FORMAR OS PROFISSIONAIS CERTOS
Há as metodologias e há o reconhecimento, mas isto só não chega. É preciso desafiar as empresas e as universidades a formarem as pessoas certas para os clusters, pois continuam a formar as pessoas à imagem dos professores que têm e não das necessidades das empresas. Não é por mal, é que não sabem fazer outra coisa, fazem o melhor que podem, mas a verdade é que as empresas estão a ser desafiadas a concorrer com a Alemanha, com os Estados Unidos, com o Japão, com a Coreia e com outros países do mundo e, para isso, é preciso formação. É claro que há aí algumas universidades que estão mais à frente, mas não é o suficiente.
AS INSTITUIÇÕES DE ENSINO
Necessitam de se aproximar das empresas. Desenvolvemos há uns anos uns algoritmos com algumas faculdades e eles perguntavam o que é que nós queríamos. Eu respondi que não sei o que quero, o que posso dizer é qual o problema que tenho. Eu diria que os professores, especialmente de engenharia, também deveriam ir às empresas ver quais são as dificuldades reais. Alguns deles não sabem nada da cadeia de abastecimento, mas já se evoluiu alguma coisa, como é o caso da Universidade do Minho, da Faculdade de Engenharia do Porto, da Universidade de Aveiro. Há uma série de universidades que deram o salto e que têm uma grande interação com a sociedade civil e com as empresas
PRECISAMOS DE MAIS MULHERES EM LUGARES-CHAVE
A Luís Simões já tinha, nos anos 90, centros logísticos geridos por mulheres em turnos noturnos. Para nós é um privilégio termos uma quantidade de jovens engenheiras de categoria. Mesmo na direção de inovação e processos, todos os anos temos duas ou três engenheiras novas. Engenheiras porque são normalmente temas digitais do domínio do processo e elas rapidamente se metem num projeto e ficam à frente de uma operação: temos jovens com menos de 30 anos à frente de operações. Tecnologicamente, precisamos de conhecimento, precisamos de talento, precisamos de ir conhecer outras realidades. Após a Segunda Guerra Mundial, houve um grande desenvolvimento de conhecimento industrial na Europa, mas vieram as crises financeiras e entregámos tudo às compras para reduzir preços, mas não para aumentar o conhecimento e reduzir o custo. Só que isso destruiu conhecimento e parece-me que muitas das companhias precisam de se focar na criação de valor. Mas, infelizmente, muitas vezes estamos a falar disso a clientes e eles perguntam: criação de valor? Eu preciso é de reduzir o preço!
O “RENASCIMENTO INDUSTRIAL” EM PORTUGAL
Sinceramente não me revejo na ideia de renascimento industrial, revejo-me mais na ideia de desenvolvimento industrial, e não de renascimento, porque nunca chegámos verdadeiramente a tê-lo. Com a exceção do senhor Alfredo da Silva e do senhor Champalimaud, que fizeram um excelente trabalho na industrialização do país, os restantes apenas deram seguimento a coisas isoladas. Fiz um passeio de barco no Reno e passei por fábricas com quilómetros de comprimento, com dois ou três barcos encostados no cais. Porque é que o caminho de ferro aqui não tem utilidade? Porque não há fábricas que façam um comboio completo por dia? Nenhuma faz um comboio completo por dia. No Reno, entre Estrasburgo e Frankfurt, encontra quatro ou cinco fábricas que fazem vários comboios completos por dia e é esta a diferença. Por isso temos de potenciar o desenvolvimento da industrialização e é preciso aproveitar bem a digitalização, que temos mais facilidade, por sermos mais pequenos. Mas temos de ter quem tenha poder e tome decisões neste sentido, e sobretudo que nos deixe fazer o que é preciso. Temos o maior parque industrial de indústria pesada da Europa e quantas fábricas lá se colocaram? Apenas três ou quatro, porque quando lá chegam e tentam instalar-se cai-lhes tudo em cima e o investimento foge.
Purificação Tavares, Exec Sen Management da CGC Genetics Unilabs
Em Portugal há pouca colaboração entre empresas grandes e PME
Maior colaboração entre grandes empresas e startups, ou outras empresas mais pequenas, seria benéfico para os dois lados. O diálogo entre gerações é favorável pois aproveita-se o melhor de cada uma: a experiência, por um lado, e a apetência para experimentar coisas novas por outro.
A COTEC E A CULTURA DE INOVAÇÃO
Vejo na COTEC uma estrutura com um prestígio importante e que tem de continuar a ter, porque conquistar prestígio, em Portugal ou onde for, é das coisas mais difíceis de fazer. Para mim, a confiança que ganhou das pessoas e das empresas é um bem precioso que tem de ser valorizado. Para isso, contribuíram todas as pessoas que fizeram este percurso de muito trabalho até agora, que pensaram em tudo de forma bem estruturada. A COTEC tem respeito, rigor, qualidade e peso para estender a mão ao tecido empresarial e estabelecer as pontes necessárias para levar o tema da inovação a bom porto. O tecido empresarial português é pouco habilitado e a maioria das empresas, que são familiares, tendem a fazer sempre da mesma forma. E, portanto, não vamos pensar que são elas que vão procurar a novidade ou a qualidade, o rigor ou as certificações e é por isso que tem de haver quem, gentilmente, faça uma campanha bem feita de atração das empresas para a sua melhoria e rigor. Isto porque, se não for feito gentilmente, não se consegue. Acredito que tem de haver uma campanha simples, inclusiva e gentil de ajudar a convencer as empresas a fazer o caminho da inovação. Por exemplo, uma padaria pode ser sofisticada, pode crescer, pode fazer as coisas de forma diferente. Tem é de perceber que a qualificação lhe vai trazer valorização. Acredito que a valorização das empresas é fundamental, mas é necessário ter um determinado mindset para lá chegar. Por isso é tão importante promover a inovação no país. E a inovação pode ser diária e não tem de ser muito à frente, segundo aquilo que eu entendo. Temos de partir do mais simples para complicar depois, senão ninguém se entende. A nossa empresa exporta testes genéticos e, num país como Portugal, que não tem tradição nem sofisticação genética, conseguimos esse feito. O nosso maior cliente está na Arábia Saudita. Claro que eu chegava à Arábia Saudita, a um hospital enorme, e era uma mulher a dizer que um laboratório em Portugal fazia testes genéticos e que tinham de mandar sangue dos doentes de cancro, e que era tudo muito sofisticado. Claro que uma pessoa se habitua num instante, eu já levava o léxico preparado. Aos poucos, as pessoas deixavam cair as barreiras e começavam a falar do que estava mal, mas era tudo feito com muito jeitinho porque somos todos pessoas.
A INTERAÇÃO ENTRE DIFERENTES GERAÇÕES
Os nossos jovens, de facto, são muito inovadores, e a inovação pode dar-nos muita orientação, mas a nossa empresa, para conseguir chegar até aqui, teve que ganhar muita experiência. Por exemplo, a Amazon tem muita inovação, mas não faz nada sem experiência. Sou muito a favor da interação entre gerações, porque evitamos que os mais novos cometam os mesmos erros que nós cometemos. De facto, as gerações mais novas vêm com outra perspetiva, com outra forma de estar, com a “digitalidade” que muitos não têm e é preciso saber agarrar isso. Mas defendo que também é necessária a experiência. Somos todos precisos porque isto funciona como uma orquestra, há muitos instrumentos e alguns só intervêm de vez em quando, mas a orquestra precisa deles ainda que façam pouco, porque dão o tom da diferença. Penso que os mais experientes, que já cometeram muitos erros, poderiam ajudar, por exemplo, na criação de startups, a ensinar os mais novos que certas coisas provavelmente não funcionam bem. Esta interligação e partilha deveria ser mais posta em prática. Mesmo em Espanha, neste momento, há uma tónica em que as pessoas com experiência ajudam e complementam e dão uma tonalidade ao ímpeto que temos de agarrar as pessoas mais novas, porque têm a mente mais aberta, que, por outro lado, nos vão ajudar a tirar as palas dos olhos. Temos de aproveitar a experiência dos mais velhos para ajudar os mais novos, tudo isto de uma forma harmoniosa.
Outra área que deveria ser melhorada no país é a inovação com impacto na competitividade e na ativação das redes. Em Portugal também temos um outro problema: há pouca associação e colaboração entre empresas grandes e pequenas. Por exemplo, vamos olhar para a atividade dos supermercados e hipermercados no nosso país. Algum estende a mão ao outro? Zero. Vão concorrer mais ferozmente, e onde? No preço. Isto é arcaico e antigo e só me lembro do exemplo da Pepsi que gastou tanto dinheiro a tentar destruir a Coca-Cola que se destruiu a si própria, e baixou a qualidade dos seus produtos. Isto é, para mim, um exemplo do que não fazer, estar tão obcecado com o concorrente e gastar dinheiro a anulá-lo de tal forma que depois perde a sua essência.
CAMINHOS PARA MELHORAR O DIÁLOGO ENTRE GERAÇÕES
[Um exemplo] Seria aproveitar uma startup com gente nova, que gostaria de ter estágios e workshops com empresas grandes que estivessem disponíveis para os receber. Uma ideia era pedir às empresas grandes que pusessem, por exemplo, uma bolsa na COTEC, de qualidade, de IT, e que deixassem essas pessoas ir ver como funciona uma empresa grande e muito estruturada. Sugeria que a associação tivesse uma bolsa de estágios porque melhorávamos o tecido empresarial desta forma. Empresas pequenas que, em vez de estarem a contratar consultores, faziam um estágio numa empresa maior. Claro que há quem possa pagar e prefira ter um consultor que esteja a pensar só no seu negócio e isso tem o seu valor. Mas nem todas podem pagar e, por isso, acredito que as grandes empresas deviam estender uma mão às pequenas desta forma.
A ABERTURA DAS UNIVERSIDADES ÀS EMPRESAS
As universidades estão mais abertas, umas mais do que outras, claro. Veja a Universidade do Minho, que é focada em lançar empresários para o tecido económico. A FEUP é outra que tem pessoas a desenvolver projetos e doutoramentos que depois acabam por se encaixar nas empresas. E isto é que traz valor porque contagia o colega do lado nas universidades, e se um está a fazer isto para uma empresa, então se calhar também posso. Em relação às faculdades e empresas, tenho notado que, nos Estados Unidos, há empresas que quando precisam de desenvolver determinada área financiam dois ou três doutoramentos nas faculdades e até põem uma disciplina com o seu nome, por exemplo.
As entrevistas completas, na íntegra, no livro “+ahead”, da COTEC Portugal.
Este conteúdo foi publicado no suplemento da revista Exame nº463.