16 Entrevistas | O Ponto de Inflexão da Inovação

Parte 2 – 8 entrevistas

Pedro Pires de Miranda, Presidente Executivo na Siemens Portugal

Os grandes investimentos públicos têm de ser pensados além dos ciclos políticos

A INOVAÇÃO E O PAPEL DA COTEC

A COTEC foi desde sempre um motor de inovação em Portugal e agora mais recentemente no que diz respeito à Indústria 4.0. Estamos agora na quarta revolução industrial, que está muito ligada à automação da indústria, que procura torná-la muito mais eficiente. Tecnologias inovadoras, mas também métodos de trabalho inovadores, são fundamentais para tornar a indústria mais competitiva, especialmente naquelas que têm uma ligação muito grande às exportações. Apesar de o mercado interno ser muito importante, as empresas não podem só pensar no mercado interno. Têm de ser competitivas nos custos, na cadeia de valor acrescentado, na produção, mas também têm de pensar mais além. Também o modelo de negócio é crucial, o que é que se vai fazer e como é que se vai fazer, no fundo, são aquelas análises de gestão que são feitas permanentemente no lançamento de produtos e serviços. Por isso, tem de haver uma maior atenção da gestão à inovação, mas também ao modelo de negócio das empresas. Considero importante pensar, por exemplo, como é que a mostra da indústria portuguesa em Hanôver, na maior feira industrial do mundo, pode servir de plataforma para o crescimento da economia. Estou convencido que devíamos usar esse ponto para relançar a inovação em Portugal, especialmente na Europa, e também criar aqui um espírito agregador das empresas em torno da indústria 4.0, na cloud, pois nada vai ser igual.


DIFERENÇAS NA INDÚSTRIA DE PORTUGAL E NA ALEMANHA

Sou 100% português e a minha costela alemã é muito mais profissional do que propriamente emocional, mas tendo trabalhado e vivido muitos anos na Alemanha, diria que tem a ver também com o percurso feito pela indústria. A indústria alemã foi sempre muito virada para a exportação, sobretudo há cerca de 30 ou 40 anos, o que foi muito acentuado nos últimos 10 anos, com a aposta no automóvel. A indústria alemã tem uma parte automóvel muito forte, com grande impacto na exportação massiva para todo o mundo, inclusive para a China e para os Estados Unidos. Já Portugal não tem essa escala, e, portanto, há aqui claramente um problema de escala. Ao nível de matéria cinzenta não há diferença absolutamente nenhuma, porque os portugueses são muito bem formados, têm um sistema educativo muito sólido. Já trabalhei com muitas geografias, e os portugueses não ficam atrás em nada, muito pelo contrário. São muito mais cooperantes, dialogantes, mas também muito empresariais. Portanto, falta-nos um enquadramento favorável. Comparativamente, os ciclos de investimento público têm de ser de multi-ciclo político e de ser realizados para décadas. Aliás, as infraestruturas de Espanha são feitas sem discussão pública, a rede de alta velocidade, os aeroportos, para isso não há discussão, pois são investimentos para o país, não para o partido.

ESTABILIDADE A LONGO PRAZO

Portugal perdeu muito nas discussões políticas do desenvolvimento económico, sobretudo ao nível das infraestruturas. Precisamos reforçar a ideia de que temos de fazer investimentos a longo prazo sem estarem ligados ao ciclo político, porque o que fica é para os nossos filhos e para os nossos netos. Na Alemanha acontece isso mesmo. Os ciclos de investimento são todos pluripartido, não foi um partido que fez esta ou aquela autoestrada, as pessoas não querem saber disso, tem de haver competência nos organismos públicos. O tema da estabilidade é básico. O que eu estou a dizer é que as empresas e os empresários são muito sensíveis às políticas públicas. Se houver estabilidade nas taxas de juro, se houver estabilidade na previsão de impostos, por exemplo, seja os impostos sobre rendimentos coletivos ou os impostos sobre as pessoas singulares, tudo isto tem grande impacto na decisão de investimento.

FORMAÇÃO NAS ENGENHARIAS
A sociedade tem de ser toda muito competente em termos de formação, sejam engenheiros, médicos, advogados ou psicólogos. É muito importante a competência das pessoas porque o país tem de avançar como um todo. Mas o desenvolvimento da engenharia e o desenvolvimento do país estão muito ligados, porque há muitos investimentos que são feitos através de pessoas com qualificações ao nível da engenharia. Primeiro ponto, penso que temos de criar mais interesse e apetência pelas disciplinas de matemática e física. Ultimamente há muito interesse sobre as tecnologias de informação, pelas engenharias informáticas, mas não chega. A grande vantagem de engenharia é que, quando é multidisciplinar, traz mais vantagens para o país e para as empresas. Não é só tecnologias de informação ou só engenheiros civis ou só de eletrotécnica, têm de tratar de tudo o que seja multidisciplinar, incluindo os modelos de negócio, incluindo as decisões sobre custos, sobre a maneira como se produz. Mais do que uma formação técnica, é sempre preciso haver responsabilidade civil, é importante criar essa ideia nas novas gerações. De um modo geral, o ensino superior é sólido, tem produzido pessoas com muita qualificação, mas penso que talvez o engenheiro seja aquele que adquire mais competências multidisciplinares, que estão mais perto dos produtos e dos problemas dos clientes. Por isso penso que a engenharia multidisciplinar é o futuro do desenvolvimento económico nacional. O conceito de engenharia fabril morreu, não há engenheiros verticais, só há engenheiros verticais na formação de base, mas a partir do momento em que um engenheiro mecânico ou eletrotécnico entra numa empresa, percebe que 90% da sua atividade não tem a ver com engenharia, mas sim com temas multidisciplinares.

LIGAÇÃO ÀS UNIVERSIDADES E POLITÉCNICOS

O ensino superior é também composto pelo politécnico. Os politécnicos são fundamentais para as empresas de média dimensão, porque estes estudantes estão prontos a entrar no mercado de trabalho, com competências que podem ser desenvolvidas no ambiente de trabalho. Por isso, acredito que temos de continuar a investir no ensino politécnico e a fazer parcerias com as indústrias, por exemplo, e haver muito mais bolsas. As universidades que também produzem engenheiros, mas com uma especialização diferente, poderão vir a fazer as chamadas engenharias multidisciplinares. Fazer doutorados é muito bom, é importante termos gente muito qualificada, que podem fazer a investigação primária, mas depois tem de haver muita aplicação desse conhecimento. É fundamental trazer essas pessoas para a indústria. As empresas que apostam na qualificação dos seus empregados têm um negócio muito mais flexível, porque as pessoas conseguem adaptar-se melhor. A grande vantagem da ligação à cloud é que não é necessário, por exemplo, ir às fábricas fazer a assistência, pode ser tudo feito remotamente ou até pelas próprias pessoas da fábrica através de ferramentas que estão na cloud e isto vai acontecer massivamente. A Internet of Things é o tipo de tecnologias que veio para ficar e quem não se adaptar perde o comboio da exportação. As grandes empresas têm mais músculo para dinamizar a digitalização, a transição digital, isto passa muito pelas empresas de grande porte, porque são essas é que têm escala.


João Falcão e Cunha, Diretor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto

Os bons investigadores deveriam ir para as empresas e não ficar nas universidades.

A FEUP, faculdade na qual é diretor, tem uma estreita ligação com as empresas, mantendo uma colaboração regular com um painel de cerca de 100 empresas. Apresentar os alunos dos doutoramentos às empresas é uma das ambições desta faculdade

LIGAÇÃO DA FEUP À COTEC E ÀS EMPRESAS

Temos, por exemplo, um mestrado de inovação e empreendedorismo tecnológico, partilhado com a Faculdade de Economia. É um mestrado conjunto das duas faculdades e que teve inspiração num programa da COTEC. A nossa universidade tem ligação a muitas empresas, mantemos colaboração regular com quase 100 empresas e algumas delas grandes empresas mesmo, e temos spin offs criadas por professores, normalmente professores e estudantes de doutoramento ou investigadores. Temos também um programa que envolve uma série de atividades conjuntas e, com algumas empresas, temos projetos de doutoramento com os doutorandos a fazerem o trabalho pago nas empresas, nomeadamente na Efacec. Eu, por exemplo, criei duas empresas das quais fui acionista, e uma delas até está no painel, mas não por influência minha.


QUALIDADE DO APROVEITAMENTO DO CONHECIMENTO ACADÉMICO

Eu acho que depende da relação que existe entre as pessoas das empresas e as pessoas da academia e, portanto, quando se consegue encontrar pontos de interesse comuns, em que conseguimos passar o conhecimento e a experiência que temos, então isso é útil para a empresa. E se a empresa percebe que é útil então essa transferência acontece. Para que haja essa transferência de conhecimento é preciso, por um lado, haver alguém numa empresa que identifique um problema que não consegue resolver ou então alguém na universidade que tem uma ideia que entenda que pode beneficiar uma empresa. No dia-a-dia acontecem as duas situações. Devo dizer que todos os meus alunos do doutoramento fizeram um projeto que tinha a ver com problemas de empresas reais e trabalharam com a informação real das empresas, mas fazer isso não é fácil. E não é fácil porque é preciso ter o envolvimento da administração e o envolvimento dos técnicos e se estes não estiverem de acordo, normalmente e pela minha experiência, essa relação não se estabelece.

MELHORIA DA LIGAÇÃO COM AS EMPRESAS

Essa é a visão que eu tenho tentado colocar aqui na Faculdade de Engenharia. Acredito que devemos ser a faculdade da Universidade do Porto que está mais próxima das empresas e, apesar disso, ainda há um longo caminho para fazer. Sinto que há uma área onde nós não estamos ainda bem, que é na formação pós-graduada, ou seja, na criação de profissionais. Luís Reis, da Sonae, dizia que não é preciso criar apenas pontes, mas mais do que isso: é preciso aprender a dançar juntos. E isso implica ter uma pessoa de cada lado que o faça. Quase sempre que trago alguém, levo-os a alguns laboratórios, geralmente aos dois mais próximos da compreensão das pessoas, para que se deixem impressionar. Pode ser de engenharia química, por exemplo, sendo que os mais difíceis de mostrar são os da informática e da gestão de engenharia industrial. No fundo, o chão da fábrica são os nossos laboratórios, que são todos diferentes apesar de termos áreas a colaborar. Estamos numa fase em que temos, cada vez mais, projetos que envolvem normalmente as diferentes áreas. Gostaria de trazer mais pessoas das empresas aos nossos laboratórios e interagirem com os nossos investigadores, estudantes e pessoas que estão a fazer o doutoramento. Neste programa que desenvolvi, uma das ideias era ter uma espécie de feira de emprego para os estudantes de doutoramento. Para os alunos que terminam os mestrados temos mais do que uma feira de emprego, uma organizada por nós, outra organizada pela associação de estudantes. Para os estudantes de doutoramento era ter algo parecido para que pudessem mostrar às empresas o que estão a fazer, como ter um dia aberto, por exemplo. Acho que fazer esse tipo de pontes entre a investigação e as empresas é importante, porque os nossos doutorandos não podem ficar na faculdade, têm de ir para fora. Apesar de termos muitos estrangeiros nesses cerca de 1000 por ano – acho que são 40% de estrangeiros, temos muitos brasileiros e iranianos nas licenciaturas e mestrados, nos doutoramentos é mais distribuído – que acabam por ir para fora. Acho que os nossos investigadores, os bons investigadores, deviam ir para as empresas, mas alguns deles estão acomodados nas universidades. Temos de ser melhores e mais caros. Por exemplo, quando cheguei tínhamos mestrados com propinas de 1.000 euros, e passámos para os 1.500, mas os novos mestrados estão a ser criados com propinas de 2.500 euros, e mesmo assim com um valor errado para o custo. O preço está associado à qualidade e para os estudantes estrangeiros temos valores bastante mais elevados, na ordem dos 3.000 euros, porque nós temos de criar valor e tivemos de fazer alterações, pois os novos mestrados são todos em inglês.

COMO AJUDAR A CRIAR MAIS VALOR ÀS EMPRESAS
Primeiro, é preciso ajudar a identificar as ideias. Depois é claramente necessário ajudar a fazer os casamentos. Penso que há muita gente que não sabe bem o que é a inovação, pois qualquer pessoa que tem uma ideia nova acha que está a inovar. Na verdade, saber inovar não quer dizer que saiba criar valor. A maior parte das pessoas não sabe o que é que quer dizer criar valor. Sim, o preço é a expressão de um valor e da qualidade. A melhor definição que eu vi foi de um ministro na Roménia ou na Hungria que explicava a diferença entre inovação e investigação: investigação era transformar dinheiro em conhecimento e inovação era transformar conhecimento em dinheiro.


Filipe de Botton, Executive Chairman da Logoplaste

Temos excelente qualidade de ensino e as empresas não o sabem potenciar

Filipe de Botton, CEO da Logoplaste e um dos fundadores da COTEC, assegura que a qualidade do ensino nacional, nomeadamente na área das engenharias, fica claramente acima da de outros países. Porém, as empresas ainda não sabem aproveitar da melhor forma essas competências.

A FUNDAÇÃO DA COTEC
Conheço a COTEC desde o início, quando a ideia partiu de um jantar na Presidência da República, em que estávamos uns 18 empresários à volta da mesa, com o Presidente da República da altura, Dr. Jorge Sampaio. Nasceu assim a primeira comissão fundadora e houve uma preocupação, desde o primeiro momento, da ligação das pequenas empresas com as grandes empresas em torno do tema da inovação, que, no fundo, eram as grandes empresas portuguesas a puxar pelas PME. Pela primeira vez trata-se verdadeiramente de uma associação de patrões, ou seja, de CEO, enquanto na maioria das associações em Portugal estão presentes níveis mais abaixo. E isto foi o que na altura me deixou até bastante entusiasmado, porque pensei que daquela associação podia sair não só algo de inovador, mas algo que pudesse realmente ligar estes empresários.


AS PROPOSTAS E O PODER POLÍTICO

Temos um governo e um Estado que não faz rigorosamente nada. Por mais sugestões que sejam dadas pela sociedade civil, nunca são bem vistas, criam-se comissões para estudar, mas depois infelizmente nunca se remata à baliza. Há aqui um problema estrutural, andamos ali à volta, é como no futebol, andamos muito ali no meio-campo, mas depois ninguém marca golos. Mas, ainda assim a COTEC foi-se desenvolvendo, acho que teve um papel brilhante, chamar a atenção para a modernização e mais recentemente estes aspetos da digitalização e da internacionalização. A entrada do Jorge Portugal marcou a sua ação. O Jorge criou uma dinâmica completamente diferente e trouxe modernidade na relação com as empresas, não só com a realização dos eventos e das iniciativas, mas muito pondo na ordem do dia aquilo que era fundamental para preparar o futuro, porque a maioria das empresas portuguesas vive muito, e bem, o presente, mas falta-lhes pensar o futuro.

O PAPLE DAS STARTUPS

Essas são as empresas que menos precisam de ser ajudadas porque são já criadas com o foco na inovação. Mas faz sentido trazê-las para dentro da discussão, para serem um exemplo para as demais, ajudam a mostrar pela positiva aquilo que tem de ser feito. Portanto, é fundamental criar um ecossistema, um círculo virtuoso, e quem faz bem deve ensinar ou sugerir a quem ainda está a tentar. O problema que existe muitas vezes em Portugal é que temos uma atitude de criança, ou seja, as experiências dos outros nunca nos servem e talvez se nós as aceitássemos, as analisássemos e as estudássemos com mais calma, evitávamos alguns erros. Muitas dessas micro e pequenas empresas vão falhar, mas dão-nos uma visão importantíssima do que é o nosso mercado, o que é a Europa e o mundo. A nova geração, dos jovens dos 25 aos 35 anos, é uma geração cosmopolita, internacionalizada até pelos estudos, pelas redes sociais, pelo que o mundo evoluiu na comunicação.

LIGAÇÃO ENTRE UNIVERSIDADES E EMPRESAS

Portugal deve ser dos países com mais estudos e análises feitas sobre todas as situações, mas no que toca depois a implementação somos de facto bastante deficientes. Tenho o maior respeito por quem nos ajuda a pensar, mas ainda hoje não existe uma cooperação tão intensa quanto aquela que devia existir entre a academia e as empresas. Havia aquela história de um professor universitário que criou uma empresa – pouco interessa que tenha corrido bem ou mal – mas os outros professores diziam que ele se tinha vendido e ele até dizia que era gozado pelos seus pares, mas isto demonstra o pensamento que nos invade. Isto foi há 8 anos e tem melhorado, mas mais uma vez somos um país tão pequeno que temos mesmo de cooperar. Muitas vezes, as empresas também não sabem muito bem o que querem por falta de perceção de todas as variáveis, mas têm de avançar mesmo assim, e a universidade pode ser extremamente útil para ajudar a pensar e a desenvolver os seus frutos. A simbiose entre universidades e empresas é extremamente importante pois é decisivo falar com alguém que tenha a distância necessária do negócio.

A QUALIDADE DO ENSIO SUPERIOR

Eu não sou engenheiro, mas respeito sobretudo quatro cursos universitários – não tenho capacidade nem competência para fazer nenhum deles – que são medicina, direito, engenharia e arquitetura. Estas são pessoas que têm de facto uma capacidade intelectual acima da média, mas é preciso saber converter essa capacidade em algo mais prático e aí já nem toda a gente o consegue. Em Portugal, temos uma qualidade de ensino, nomeadamente em engenharia, absolutamente fantástica e talvez as empresas não saibam potenciar e aproveitar da melhor maneira. A Logoplaste está em 18 países, e tem 39 nacionalidades dentro do seu universo. A formação universitária em engenharia, aliás, dos jovens portugueses de uma forma geral, é claramente superior face aos demais países. O problema, provavelmente, está nas empresas não saberem potenciar esta situação.


Rui Lopes Ferreira, Presidente da Comissão Executiva do Super Bock Group

O grande desafio é transformar conhecimento científico em económico

Segundo Rui Lopes Ferreira, o maior desafio das economias modernas não está apenas em produzir conhecimento científico, mas sim conseguir transformá-lo em conhecimento económico, beneficiando as empresas e a competitividade dos países.

A EVOLUÇÃO DA COTEC
Tenho um percurso histórico ligado à COTEC, porque, quando foi fundada, trabalhava no BPI, que fazia parte da comissão instaladora, constituída, se não me falha a memória, além do BPI, pela Sonae, pela Logoplaste, pela Vodafone e creio que pela PT. Foram dois anos de estudos acerca do estado da inovação em Portugal, quais eram as nossas lacunas face à Europa e, portanto, o que é que poderia de facto fazer-se de diferente com a COTEC. Por isso penso que a COTEC nestes anos ajudou a que o país também tivesse feito o seu caminho, nos temas relacionados com a inovação e com investigação, a forma como a inovação é tratada, gerida e trabalhada nas empresas e tudo isto evoluiu muito nos últimos anos. Acho que o país e as empresas progrediram muito nessa matéria. Continua a haver hiatos hoje em dia, porque a realidade é dinâmica e o mundo também não ficou parado e progrediu como um todo. Eu recordo-me, nesses trabalhos da comissão instaladora, que os gaps que tínhamos na altura ao nível de investimentos na inovação, quer ao nível do público quer nas empresas, face à média Europeia e face aos países nórdicos, eram bem grandes. Hoje já estão muito mais amortecidos. Recordo-me que havia um painel de 20 indicadores que refletia o estado de arte da inovação e se olharmos para esse painel de indicadores hoje de certeza que vemos que o progresso feito em Portugal foi muito significativo.


O PAPEL DESEMPENHADO PELAS GRANDES EMPRESAS
Na COTEC, de facto, foram as grandes empresas de que falei que tiveram a capacidade de arrasto e de puxar a carroça. Porém, a COTEC teve o mérito de ter entendido rapidamente que o problema da inovação, da produtividade e da competitividade não se esgotava ao nível das grandes empresas, muito pelo contrário. Portugal é um país de PME, existem cerca de 1,4 milhões de empresas e dentro desse total só um número ínfimo é que são grandes empresas. Mesmo as médias empresas são poucas. Se queremos, de facto, intervir num país assim tem de ser ao nível do universo das PME e, é evidente que estas, pela sua menor escala e menor dimensão, têm talvez mais dificuldade em se socorrer de todo o ecossistema à volta da inovação. Acho que é importante o papel da COTEC, como um agregador que traga ferramentas e instrumentos para ajudar a gestão da inovação nas PME. Exercer pedagogia sim, mas também fornecer ferramentas e modelos. As grandes empresas, pela sua dimensão e grande capacidade financeira, têm essas ferramentas por outras vias.

O POSSÍVEL CONTRIBUTO DA SUPER BOCK
Acredito que [podemos contribuir] ao nível da partilha de conhecimento, através dos fóruns de reflexão e de poder facilitar conhecerem casos benchmarket, os bons casos de inovação. As outras empresas podem assim estar em contato com um ecossistema que pode trazer mais-valias para todos. Na Super Bock vemos o tema, não como uma responsabilidade apenas do departamento de inovação, mas como algo transversal. Acho que já ultrapassámos há muito a fase em que este assunto era responsabilidade de uns cérebros que estavam no departamento de inovação. Não pode funcionar assim, e toda a empresa tem de estar voltada para a inovação e, portanto, a inserção num ecossistema que produz conhecimento, estimula o conhecimento e estimula a reflexão e as boas práticas, é muito importante para nós e creio que as pessoas podem beneficiar bastante disso.

O ELO UNIVERSIDADES – EMPRESAS
Até há uns anos acreditava que a interação entre a academia e as empresas era claramente fraca, quando comparada com outras realidades europeias. Acredito que era fraca por responsabilidades mútuas. Por um lado, as empresas não tinham – e ainda não têm – muito o hábito de recrutar doutorados. Lembro-me que Portugal era um dos países com menores taxas de doutorados nas empresas e, portanto, estas absorviam pouco conhecimento das universidades e, por outro lado, as universidades estavam mais focadas em desenvolver o seu conhecimento universitário e académico. Acredito que essa ligação melhorou e hoje em dia há a noção, também ao nível académico, que as universidades têm de estar ao serviço da comunidade e não serem apenas uma instituição de ensino e de estudo, mas sim uma instituição que contribui para a sociedade. Hoje, o grande desafio nas economias modernas não está apenas em produzir conhecimento, o grande desafio está em saber utilizar esse conhecimento e rentabilizá-lo. Se produzirmos muito conhecimento mas não conseguirmos rentabilizá-lo a nível económico, diria que essa produção de conhecimento é interessante, mas ficamos a meio caminho. Só se formos capazes de transformar esse conhecimento científico em conhecimento económico é que a economia pode beneficiar e o país desenvolver-se, aumentando a sua competitividade.


Luís Portela, Presidente da Fundação BIAL

Deveríamos ter um plano estratégico para a economia como tivemos para a ciência

Luís Portela defende que falta em Portugal um plano estratégico pensado para a área económica, como houve para a ciência. Só assim se consegue catapultar o país de forma a comparar bem a nível económico com a média da Europa em 2030.
Este desenvolvimento faz-se com inovação

A EVOLUÇÃO DA INOVAÇÃO EM PORTUGAL

Penso que nos últimos 20 anos se evoluiu, de facto, mas há ainda muito para fazer. No plano da educação, acho que é notável o facto de Portugal hoje ter o número de doutorados que tem. Ao nível do ensino secundário completo, devia ter sido feito mais, mas acho que a nível do ensino superior, as coisas correram relativamente bem e aproximamo-nos daquilo que é a média europeia. As pessoas estão melhor formadas e melhor informadas. Em termos de desenvolvimento científico, com o plano estratégico desenhado pelo Professor José Mariano Gago, foi notável e, ao contrário do que muitas vezes acontece, outros ministros que passaram pela pasta da Ciência procuraram dar continuidade ao que estava sendo feito. Hoje, o país tem um número de investigadores elevado, tem um número de publicações superior à média europeia e o número de citações foi crescendo. Portanto, quando temos este cenário favorável por parte da ciência e da tecnologia, é espantoso como o país não conseguiu transferir esse conhecimento acumulado nas universidades e nos centros de investigação, para a realidade prática, para as empresas, para novos produtos e serviços que sejam competitivos à escala global.


O QUE FALTA

Desejava que tivesse existido uma linha de desenvolvimento estrategicamente pensada para a área económica como foi para a área científica. Eu disse uma vez: falta um Mariano Gago na área da economia. Ao longo destes anos, tivemos muitos ministros de economia, mas não tivemos uma personalidade que se assumisse na governação na área económica ao longo do tempo e não tivemos um plano estratégico. Eu desejava muito que, em 2030, pudéssemos estar, a nível económico, a comparar com a média daquilo que acontece na Europa. Mas para isso tem de haver um plano para desenvolver, tem de haver uma aposta do país, tem que despertar os portugueses para a necessidade de investir nesta área, para a necessidade de se fazer um trajeto que nos permite um desenvolvimento económico semelhante ao resto da Europa numa década. A diferença, em termos de desenvolvimento, faz-se normalmente com inovação. Quando se conseguem soluções científica e tecnologicamente mais evoluídas, que nos trazem novos produtos, que satisfaçam as necessidades da população que anteriormente não estavam satisfeitas. É aí, portanto, que se consegue uma mais valia importante.

O TRAJECTO DE INOVAÇÃO DA BIAL

Quando a Bial, há 30 anos, se começou a desenvolver e a pensar um projeto estruturado de inovação, para podermos levar medicamentos inovadores ao país e ao mundo, as pessoas diziam que eu era tonto e que não era possível. E os empresários da época, mais velhos, chamavam-me e diziam-me “veja lá o que é que está a fazer”. Porém, eu tinha a convicção que esse era o caminho, era essa a forma de honrar a obra do meu avô, fundador da Bial, e do meu pai, seu continuador, e investimos nisso. Eu fiquei presidente da companhia tinha 27 anos. Durante 7 anos, toda a gente me dizia que era impossível. Um dia eu fui falar com o meu velho professor de farmacologia na Universidade do Porto, o Professor José Garrett, que me ouviu com muita atenção. Quando eu cheguei ao fim, ele disse-me: você tem razão, aquilo que fala é um muito difícil de concretizar, mas se tiver paciência, persistência, se se souber rodear das pessoas capazes, deverá ser muito bonito de realizar. Chamei-o para trabalhar comigo, resistiu algum tempo, mas acabou por reformar-se da universidade e vir trabalhar na Bial. Foi o nosso primeiro diretor de investigação e foi ele que lançou as bases daquilo que temos atualmente.

O CAMINHO PARA A BIAL DE HOJE
A partir daí fomos constituindo uma equipa. Primeiro era ele e mais três, depois quatro, portugueses só. Gente que veio das universidades, químicos e farmacologistas. Mas também, rapidamente, percebemos que eram pessoas muito bem-intencionadas, com muitos conhecimentos, mas que não tinham a capacidade de sair fora do quadrado. Por isso resolvemos ir ao estrangeiro procurar. Percebi que era muito difícil trazer farmacologistas ou químicos de empresas multinacionais, ou mesmo de universidades estrangeiras, onde tinham essa prática. Na altura, ocorreu-me ir aos países do Leste. Trouxemos o diretor do Instituto de Investigação Químico-Farmacêutica de Praga, que tinha bom currículo e as características apropriadas. Depois tivemos a sorte de trazer também o Professor Patrício Soares da Silva, que se tinha doutorado em Inglaterra, e nos anos seguintes foi possível ir buscar alguns técnicos, sobretudo químicos, a empresas multinacionais.

O INVESTIMENTO BAIXO NA INOVAÇÃO EM PORTUGAL

[O investimento em inovação] foi crescendo a partir de 2003, mas depois veio a crise de 2011, e a verdade é que o investimento foi baixando. Atenção, o que baixou foi o investimento por parte das empresas, não o investimento global, porque no investimento global temos o Estado. As empresas investem em Portugal metade do que se investe na média da União Europeia, um terço daquilo que se investe nos Estados Unidos, no Japão e nos países nórdicos.

A APOSTA EM EMPREGO POUCO QUALIFICADO

Veja-se a percentagem de investigadores nas empresas. Temos 38% dos investigadores nas empresas, a Europa, em média, tem 55% e os Estados Unidos, o Japão e os países europeus de maior investimento têm cerca de 70%. Os mais competitivos têm mais investigadores nas empresas e menos nas universidades. Em Portugal, 10,3% dos investigadores das universidades colaboram frequentemente com empresas. Na Europa, 35%.
São muito poucas as empresas que investem significativamente em I&D. A Bial tem sido a segunda ou a terceira empresa que mais investe em I&D em Portugal. A Bial faz um investimento por ano que ronda os 60 milhões de euros.

COMO RESOLVER A FALTA DE INVESTIMENTO

Entendo que deve haver um projeto nacional de envolvimento das empresas e das universidades, de conjugação de esforços, para conseguirem levar para o mercado novos produtos, novos serviços, que sejam inovadores e competitivos à escala global. E isto deveria ser assumido por um governo como um grande objetivo nacional. O objetivo seria, até ao fim da década, colocar os indicadores económicos de Portugal ao nível dos indicadores médios da UE. É necessário aproximar universidades e empresas e fazer projetos conjuntos. Se o Estado pagar 75% do salário de um jovem doutorado numa empresa, em três anos este pode mostrar o que vale. Doutoramentos empresariais, estágios, serviços prestados, tudo são boas soluções para fazer esta ligação. Depois, facilitar o fluxo de investigadores entre universidade e empresas, e entre Portugal e o estrangeiro. Em qualquer país europeu, é vulgar um investigador ir para uma empresa, estar 10 anos e voltar. Em Portugal, isto praticamente não existe. E que estes fluxos sejam também entre Portugal e o estrangeiro. Hoje, os mais jovens já perceberam que têm toda a vantagem em sair para o exterior, mas o País precisa depois de os conquistar para voltarem, a fim de ajudarem na redinamização de Portugal. O programa Erasmus foi das coisas melhores que aconteceram ao país nas últimas décadas. Os jovens ganharam conhecimento, mas mais do que isso, ganharam mundo. É preciso valorização académica da investigação realizada nas empresas.


Ângelo Ramalho, Presidente Executivo da Efacec

A Efacec tem as tecnologias necessárias às infraestruturas de uma Smart City

A Efacec é uma empresa de tecnologias, agora em fase acelerada de transformação em Indústria 4.0, e que no seu percurso tem inovado e contribuído para a revolução que atravessamos na descarbonização da economia.

DESENVOLVIMENTO DO TEMA INOVAÇÃO
A COTEC colocou este tema no centro da discussão, em particular no ambiente empresarial e nos seus associados. Objetivos desta natureza são sempre um alvo em movimento, nunca são alcançáveis, trata-se de um quadro evolutivo. Um primeiro objetivo, à época, foi perceber o que era a inovação em Portugal. Quem eram os inovadores, como é que se inovava em Portugal, se se inovava ou não, como é que se fazia e se tornava tangível, e como é que percebíamos, em termos de indicadores, o verdadeiramente inovador no país. Naturalmente, este termo “inovador” verifica-se em ambiente empresarial, medido em serviços com cada vez maior valor acrescentado, e cada vez mais posicionados no topo das cadeias de valores. Não tenho dúvidas de que a inovação é cada vez mais uma temática central da gestão empresarial, mas tenho dúvidas de que haja uma compreensão completa e uma ação completa no sentido de incorporarmos esta necessidade, esta forma de estar na gestão empresarial no sentido amplo do termo e, obviamente, refiro-me à diversidade de realidades que temos num país.


O QUE FALTA FAZER
A primeira década deste milénio foi bem ilustrativa das dificuldades do país, as fragilidades estruturais que tem e que necessita resolver e a forma como é ou não capaz de as resolver. Às vezes não podemos fazê-lo porque temos capacidades limitadas, outras vezes não queremos sequer porque não somos capazes de o fazer, de colocar as temáticas na agenda. E aqui o meu sentimento divide-se. Há uma componente de incapacidade de pormos na agenda aqueles que são os temas verdadeiramente importantes, mas depois, naqueles que estão na agenda, há também uma certa incapacidade de os desenvolver no sentido de os resolvermos e ter soluções preconizadas. O que também não deixa de ser revelador das fragilidades que temos enquanto país, enquanto sociedade, e muitas vezes da falta de conhecimento de onde estamos e do caminho que temos de fazer para o lugar a que aspiramos. Às vezes não temos a noção do caminho e do tempo que isso demora mesmo que consigamos fazer todas as coisas “bem”. Há excelentes exemplos, em particular nas PME. Nas grandes empresas, que geralmente são as incumbentes, não é que se deixe de inovar, porque não deixa, a questão é se estruturalmente se é capaz de o fazer ou não. As empresas nacionais vivem voltadas sobre si próprias e cooperam pouco entre si, e ao cooperarem pouco nem chegam a almejar uma vantagem que poderiam ter se colaborassem mais

O PAPEL DAS STARTUPS
Se há dinâmica nas startups porque é que eu devo excluir do meu espectro de atenção as startups? Delas virão, muito provavelmente, excelentes exemplos de empreendedorismo, da forma de gerir o risco. Depois, muitas destas startups não deixam de precisar de alguma ligação, como as outras empresas, para quem dirigem os seus serviços ou produtos, e as mais antigas, familiares ou não, têm esta necessidade de pensar fora da caixa. Por que não ter um contato ou uma porta de acesso a uma panóplia de startups com que se possa perceber se ali há uma solução para um problema identificado há anos, ou se ali há uma oportunidade de desenvolvimento de um negócio que está estagnado? Por que não incorporar na minha organização, a partir de uma startup, o núcleo de conhecimento e de forma de ver e de pensar diferente daquilo que é o tradicional?

A EFACEC E O CONTRIBUTO PARA A SOCIEDADE
Vivemos numa sociedade que é cada vez mais uma sociedade da informação, e a Efacec é uma empresa que atua em áreas que são os nossos pilares estratégicos, que são estruturantes, que são os setores da energia, da mobilidade e do ambiente. A Efacec, ao longo do seu percurso, desenvolveu uma série de conhecimento transformado em produtos ou serviços nestas áreas, que estão a atravessar uma revolução silenciosa, como o ambiente e a consciência coletiva de que temos de tratar do meio em que vivemos de uma forma diferente daquela que fizemos no passado. A tecnologia é usada em vários conceitos, como a descarbonização da economia, e a eletrificação da sociedade, tudo temas que nos são muito queridos porque a descarbonização da economia e o fenómeno da eletrificação só é possível através de energia produzida a partir de fontes renováveis, que são de produção descentralizada como contraponto a uma produção centralizada que era, e ainda é, a partir de fontes fósseis. Para que isso aconteça são precisas tecnologias de gestão de redes e de complexidades de redes de transporte e distribuição de energia, que é o nosso foco nos últimos 20 anos. São tecnologias que facilitam o desenvolvimento destes novos sistemas que vão contribuir para a descarbonização da economia, para a produção de eletricidade a partir de fontes renováveis e a Efacec está a desenvolver as suas, quer na ferrovia, quer, mais recentemente, na mobilidade elétrica. O que fazemos permite transformar a sociedade. Quando se fala de uma vida melhor, relembro que a Efacec, tem, praticamente, todo o portefólio de tecnologias necessárias para as infraestruturas de uma Smart City. A Efacec, estava até há relativamente pouco tempo, nos antípodas de poder almejar o 4.0, mas acelerou o passo e, em 2022, estamos a trabalhar para que isso aconteça.

COMO INOVAR MAIS E MELHOR
Somos um país com uma economia frágil e uma economia frágil não é feita de instituições fortes. Claro que gostaríamos que o tecido empresarial fosse mais forte, gostaríamos que criasse mais valor, mas têm-se feito coisas muito interessantes nos últimos anos. Todo o sistema financeiro português é frágil, embora se tenha robustecido nos últimos anos, mas em relação ao apoio que pode dar às empresas, sobretudo às empresas mais inovadoras, como estas estão associadas a um maior risco, temos de ver como é que é possível fazermos este alinhamento entre as entidades financeiras e as entidades empresariais, nomeadamente as industriais. Precisamos de mais banca que não a banca de crédito hipotecário. Depois temos outras vias, como por exemplo, sensibilizar a banca para se dotar de competências em áreas do conhecimento que vão naturalmente para além daquelas que a banca tem, até porque as empresas para serem apoiadas têm de ser compreendidas. [Os bancos] têm de saber descodificar as linguagens para conseguirem trabalhar com conhecimento da realidade empresarial.


Maria Manuel Leitão Marques, Professora Universitária e Deputada no Parlamento Europeu

Europa tem de ser mais autónoma na sua inovação

Reduzir a dependência da Europa, para sermos mais autónomos do ponto de vista da inovação. Ter a sua própria tecnologia, ter os seus próprios medicamentos e vacinas e não ter os dados demasiado partilhados é um desafio que a Europa enfrenta no pós-pandemia.


A CULTURA DE INOVAÇÃO EM PORTUGAL

Assumo-me como uma apaixonada pelo tema da inovação e entusiasmo-me muito quando alguém faz algo inovador, mesmo que digam que não vai resultar. Aprendi que quem inova e acerta sempre é porque inova muito pouco e, portanto, temos de tentar muito. Tentar inovar para ter sucesso e saber viver com o insucesso faz parte do pacote da inovação. Inovar é das coisas mais difíceis, pois quando se inova, e não é apenas nas organizações públicas, é evidente que ninguém gosta de mudar a não ser que se mude para melhor. Depois que se muda, depressa se habituam ao que é novo, mas até lá é preciso empurrar, puxar, seduzir, envolver e ganhar muita energia. Portanto, a cultura da inovação não é necessariamente uma cultura fácil, é uma cultura para a qual temos de ser educados. Só assim vemos o retorno, o retorno económico ou no bem-estar dos cidadãos, para ganharmos impulso para as futuras inovações. A COTEC é um agregador de inovações, é uma instituição para o desenvolvimento de uma cultura da inovação, mostrar os melhores, aquilo que é preciso para ser inovador, mostrar as tendências e fazer pontes. Até com o setor social, e eu trabalhei muito em projetos de inovação social, onde temos de ser muito criativos para dar respostas e até aí a COTEC teve sempre um papel muito importante. Mas a COTEC não é uma organização puramente portuguesa, faz a ponte do sul, a ponte Portugal-Espanha-Itália, que é uma ponte muito interessante. Agora que estou aqui na Europa percebo que a criatividade do sul é muito grande, mas às vezes a sua força não é proporcional à sua criatividade e, portanto, nós temos de ter mais rede entre o sul, para mostrar aquilo que fazemos muito bem e para sermos mais fortes até num contexto de discussão a nível europeu.

INTERAÇÃO COM INSTÂNCIAS EUROPEIAS
Na Europa, passo a vida a gerir os pedidos dos lobistas, a Europa está cheia de organizações associativas que procuram influenciar ou que têm mesmo só como objetivo influenciar o processo regulatório europeu naquilo que lhes toca na sua atividade económica. Tenho agora um dossier sobre a nova diretiva de crédito ao consumo e quase todos os dias há associações de bancos ou sociedades de consumidores, a quererem ser ouvidos e, – muitas vezes aprendo muito com eles – tento receber, pelo menos, os mais relevantes. Normalmente estas associações são de âmbito regional, por exemplo, a Espanha tem aqui todas as suas regiões representadas, ou são europeias procurando cobrir os 27 Estados Membros, e poucas com este formato da COTEC Europa. Isto é um formato muito interessante por cobrir três importantes países do sul da Europa. Na sua relação com a Europa se quisessem fazer uma interação direta com as instituições europeias teriam de ver onde é que se focam, porque na interação direta sobre inovação seriam rapidamente triturados.

AUTONOMIA ESTRATÉGICA EUROPEIA

Vou começar por um desafio que tem também a ver com inovação, mas não só, que é o desafio da autonomia estratégica e surgiu sobretudo com a pandemia, pois antes não era nada óbvio. Já se falava muito do comércio Internacional e de abrir acordos de comércio, mas falávamos muito pouco, direi mesmo nada, da autonomia estratégica. Ou seja, o que é que temos de fazer na Europa, porque estamos demasiado dependentes do exterior. Portanto, temos de ser mais autónomos do ponto de vista da inovação, ter os nossos próprios medicamentos, ter as nossas próprias vacinas e a nossa própria tecnologia para não ficarmos com os dados demasiado partilhados e ficar dependentes da tecnologia dos outros e assim reduzir a excessiva dependência. Este é um claro desafio. Mas atenção, que não seja para favorecer o desenvolvimento de campeões europeus. É muito importante que a Europa discuta esta autonomia estratégica olhando para a forma como os países do sul podem também beneficiar. Depois, na verdade, temos um outro desafio, que é o desafio dos dados, da supercomputação e do 5G. Hoje podemos recolher e armazenar muito mais dados e usá-los em tempo real porque temos a tecnologia 5G e isso é um campo de oportunidades para a medicina personalizada, por exemplo. Uma grande empresa farmacêutica dizia-me que mais importante do que a investigação feita no laboratório são os dados e a capacidade de tratar os dados para poderem dar ao doente o tratamento adequado. Ora isto é importante para a modernização administrativa, no sentido de prevenir em vez de remediar e de antecipar sem incomodar o cidadão e as empresas.


Maria da Graça Tavares, Deputada do Parlamento Europeu

Se não houver flexibilidade, a excessiva burocracia dos processos pode afundar-nos

A deputada do Parlamento Europeu defende que a dependência da Europa é excessiva, sobretudo nos hardwares, para avançar com a digitalização. Isto foi visível na pandemia, mas já era claro antes mesmo dos constrangimentos sentidos.


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A COTEC é uma instituição muito útil porque contribui para criar um ecossistema de inovação que é algo que faz muita falta na Europa. Temos o sistema de educação, o do ensino superior e qualificações, temos o sistema de produção do conhecimento, de investigação científica, mas se não existir esse ecossistema favorável à inovação, o conhecimento geral, as pessoas qualificadas, o conhecimento gerado pela ciência, não passa para a economia e para a sociedade. E o que é que é esse ecossistema? São as condições de contexto, nas leis laborais, um sistema de administração pública flexível e amigo dos consumidores e das empresas, um sistema fiscal também favorável ao investimento, um sistema de justiça célere, portanto, muitas das coisas que não temos. É necessário chamar a atenção de todos os participantes e, nomeadamente, no sistema de inovação, e no setor privado, para a importância da inovação, para que se envolvam cada vez mais neste sistema e que o façam em cooperação com esse conhecimento e que o transformem em inovação. Já temos um sistema de ensino superior sólido e de qualidade, podia ser melhor, mas é bom, mas temos um ecossistema de inovação com muitas falhas. Todos os relatórios mostram isso. E, portanto, é uma missão extremamente importante ajudar a criar e a fortalecer esse ecossistema de inovação. Não é simples avaliar a inovação, é mais simples avaliar o ensino superior ou a ciência. Temos uma grande tradição e um grande conhecimento sobre avaliação de ciência, temos indicadores mundialmente aceites e métricas reconhecidas. Com a inovação não é bem assim. É difícil apostar no risco e muitas vezes há tendência para não apostar no risco porque tanto pode ser um sucesso, como pode ser um grande falhanço. E é difícil traçar a linha e, a priori, ter indicadores que nos dão a certeza de avaliar a inovação de uma forma correta. Raramente corremos riscos quando avaliamos a ciência. E, portanto, é extremamente difícil avaliar a inovação e é algo que se deve trabalhar para termos alguns indicadores para avaliarmos a inovação. Tendo sempre presente que é preciso correr riscos e que vale a pena correr esses riscos, mesmo que muitas das ideias falhem, que falham muitas vezes em curto prazo, mas depois vão dar sementes para outras coisas a médio e a longo prazo. Não é nada de muito grave falhar um projeto de inovação, mas isto não está ainda na nossa mentalidade. Uma das barreiras que temos é essa aversão ao risco.

O PAPEL DO ESTADO NA INOVAÇÃO
Eu defendo uma menor presença do Estado nesta área, noutras não, mas nesta em particular sim, pois entendo que o grande papel do Estado é o de facilitador da inovação. Facilitador criando as condições necessárias. O Governo, ao fazer isso, está, no fundo, nesta linha, porque há tarefas que o setor privado faz melhor do que o Estado. No mundo ideal, se tivermos um financiamento da ciência e da educação, do sistema de ensino superior, se forem eficientes, e se tivermos um ecossistema de inovação a funcionar, então o Estado não tem grande necessidade de financiar a inovação. Porém, com estas barreiras todas precisamos de financiar também a inovação, precisamos de financiar o sector privado. De início é preciso chamar a atenção das empresas, financiar as empresas, tentar detetar quais são as ideias inovadoras e haver apoio a essas ideias inovadoras, no sentido de que daqui a uns anos as empresas sintam o benefício de desenvolver estas atividades inovadoras, tornando-se cada vez menos necessário esse financiamento. Mas, neste momento, e com as barreiras todas que temos, o financiamento à inovação é necessário como catalisador.

Maria da Graça Carvalho, eurodeputada

O CONTRIBUTO NO PARLAMENTO EUROPEU
Uma das minhas principais tarefas no Parlamento Europeu é tentar simplificar. É uma tarefa árdua. Simplificar os procedimentos, introduzir ciência, introduzir tecnologia, tirar as barreiras da burocracia, é essa a minha tarefa diária, porque acho que isso é essencial. Precisamos de libertar as PME e as pessoas para terem tempo e cabeça para inovarem, para fazerem coisas interessantes. Claro que os princípios são importantes, mas há outras maneiras de ter esses princípios de formas mais simples, como não tentar pensar em todas as situações e regulamentar todas as situações. É essa a minha questão. Há muita burocracia. Penso que a burocracia e a complexidade dos regulamentos, dos sistemas, está pior. Eu tenho de confessar, mesmo no Parlamento Europeu, estamos a aprovar determinados regulamentos que são tão complexos que penso como é que as PME, no nosso país, vão aplicar isto. Pensamos que a melhor maneira de controlar contra a corrupção é criando burocracia, é criando sistemas cada vez mais complexos, mas isto vai-nos afundar se não conseguirmos reagir e tornar os sistemas mais flexíveis e mais simples, mais diretos, com maior confiança entre as pessoas. Caso contrário não vamos conseguir os objetivos de sermos muito competitivos, de crescer. Estamos um bocadinho afogados nisso tudo.

O RENASCIMENTO INDUSTRIAL EUROPEU ENQUANTO PRIORIDADE POLÍTICA
Este renascimento industrial surge da necessidade que a Europa sente de retomar a sua cultura de produzir coisas. De verificar que, talvez nos últimos 20, 25 anos, tenha completamente desprezado o produzir, tirando algumas exceções, honrosas exceções, a maior parte, muito naquele racional de que comprar feito, do ponto de vista financeiro, económico, é mais vantajoso, perdeu-se essa cultura. Isto não foi só na pandemia, este sentimento começou antes da pandemia, de que para inovar, para fazer diferente, era importante também saber produzir na Europa. Por exemplo, a Europa percebeu que precisava de uma grande transição digital mesmo antes da pandemia, e percebeu que, para fazer essa transição digital, estava completamente dependente de um hardware que importava. Precisamos de supercomputadores, porque queremos fazer cálculos de grande dimensão, temos investigadores de primeira a fazer toda a modelação, mas não temos fornecedores de supercomputadores. Queremos importar, temos pressa e urgência, mas os fornecedores têm outras prioridades e vamos para a lista de espera. O mesmo com os microprocessadores, que são vitais nesta transição, e, portanto, começámos a perceber que não basta comprar fora, é preciso saber fazer quando é preciso. Já houve uma primeira estratégia industrial ainda antes da pandemia, a primeira estratégia do comissário Breton e a pandemia veio acelerar tudo isto. Eu tenho sido relatora e isso está presente em todas essas áreas, com algumas exceções, nomeadamente na aeronáutica, onde temos uma grande cultura do fazer, mas nas tecnologias digitais, de futuro, na computação de alto desempenho, o hardware é todo comprado fora. Não pode ser.

As entrevistas completas, na íntegra, no livro “+ahead”, da COTEC Portugal.

Este conteúdo foi publicado no suplemento da revista Exame nº463.

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