Em que ponto estamos neste caminho de inovação que o País tem feito?
Jorge Portugal – Portugal está num momento de transição para uma sociedade e uma economia do conhecimento, que tem um conjunto de fatores diferentes de outro tipo de economias, desde logo a capacidade de criação sistemática de conhecimento científico. E depois a sua translação, a transferência, para a sociedade em geral, para as empresas no sentido de provocar mudanças que criam valor para a sociedade. Um segundo fator crítico nesta transição é a educação e a formação. Este ano foi o ano em que mais alunos entraram no ensino. Em Portugal, há 30 anos, a percentagem de alunos que chegava ao ensino superior era mínima, o número de alunos que abandonava o ensino primário e secundário era muito grande, era um número que nos envergonhava. Depois há um terceiro fator: é aquilo a que nós chamamos uma infraestrutura do Século XXI, que é o digital, que Portugal também tem vindo a criar. Desde há várias décadas temos tido a notoriedade para a criar e utilizar infraestruturas digitais, redes digitais, mais avançadas. Nos últimos anos tivemos um soluço na entrada no 5G, que estamos a recuperar. Agora não basta só a utilização social da rede, conseguimos fazer downloads mais rápidos e terem maior velocidade de comunicação. A aplicação destas redes, a segurança que elas trazem a esta estrutura e aos processos industriais vai, efetivamente, aí sim, marcar a diferença. Por isso eu diria que talvez um quarto fator em termos desta entrada é a questão das empresas e dos seus métodos de gestão, da sua organização, a utilização de ferramentas digitais de automação dos processos. Têm feito um caminho, embora nós vejamos que ainda há uma percentagem muito grande de empresas com muito baixa adoção de tecnologias digitais. Por isso há aqui um tema. Podemos ver efetivamente um país, uma economia, uma sociedade que está a entrar na economia do conhecimento. Estamos a falar de quase 6,8% de investimento intangível sobre o PIB. Mas há outros países como a Suécia ou a Irlanda em que mais de metade do investimento que fazem é em intangíveis. E de facto a produtividade como prática é a última medida da competitividade. A produtividade é a capacidade de vendermos produtos de valor acrescentado nos mercados. Ela terá de ser muito mais influenciada para termos aqui um salto e aproveitar aquilo que nos últimos 20/30 anos Portugal fez muito bem.
Professor Félix Ribeiro, daquilo que o Jorge acabou por nos dizer, a sensação que fica é que estamos a fazer o caminho. Está otimista para nós acelerarmos um bocadinho este processo?
José Félix Ribeiro – A grande diferença que aconteceu em Portugal foi quando em 1986 entrámos para a CEE, e não tínhamos muito desemprego, e havia uma quantidade enorme do fundo do Fundo Social Europeu. A decisão histórica que foi tomada na altura foi dizer que nós queremos utilizar esses fundos e vamos enviar para os Estados Unidos, para o Reino Unido, para um ou outro país, dezenas de milhares de jovens, para estudar as tecnologias que estão no início de desenvolvimento. As ciências da computação, as tecnologias de informação, as comunicações, a biotecnologia ou os novos materiais. Houve uma discussão muito grande nessa altura, porque havia quem dissesse na altura que precisávamos era de pessoas de engenharia têxtil, engenharia mecânica. Essas dezenas de milhares de pessoas foram para esses países, doutoraram-se. Uma parte ficou lá e muitas voltaram e transformaram as universidades, sobretudo as de ciências e de engenharia. Portanto passámos a ter uma educação muito moderna e com muito mais facilidade em passar gradualmente para a atividade económica. Aqui temos uma noção fundamental que é a de que há dois momentos na política: semear e colher. Se não se semeia não se consegue colher coisíssima nenhuma. Nós em 86 semeámos. 25 anos depois esse resultado está à vista. Uma quantidade enorme de startups que saem das universidades, um sistema de apoio à inovação muitíssimo mais desenvolvido e, desse ponto de vista, fizemos o percurso que devíamos de ter feito. Agora a questão principal será que nós somos uma pequena economia aberta. As pequenas economias abertas são um problema porque todas as pessoas que vivem nelas querem ter tudo o que é mais moderno e melhor, mas o País não tem dimensão para produzir tudo o que é necessário. Portanto tem sempre de importar uma quantidade enorme de coisas. Mas ou conseguem arranjar alguém que lhes pague a fatura ou tem também de colocar coisas no mundo que sejam úteis. Portanto uma das coisas principais numa pequena economia aberta é que ela tem de se renovar e renovar aquilo que oferece ao mundo, porque o mundo está sempre em competição em que aparecem outros países que também querem fazer a mesma coisa que nós fazíamos. Nós há 30 anos éramos especializados em determinadas coisas; hoje, não podemos estar especializados só nessas coisas.
JP – É essa renovação que esteve presente na criação das COTEC. Primeiro em 1990, com o rei de Espanha, miticamente depois de uma visita a Sillicon Valley. Teve esta ideia, inspirou-se, e percebeu o valor desta ideia que a renovação da economia espanhola teria de acontecer. Dez anos depois, em 2000, surge a COTEC Itália e em 2003 a COTEC Portugal, com o presidente Sampaio, com esta ideia de que a economia portuguesa teria que se renovar e teria de se adaptar àquilo que eram as novas dinâmicas dos mercados externos. Para nós, inovação é uma competência de gestão que usa uma série de outras competências e que tem de ter uma abordagem estruturada, trazermos exemplos de quem o estava a fazer e quais eram os fatores de competitividade, nomeadamente o conhecimento e aplicação desse conhecimento. Este tem sido um dos grandes desafios a vencer, que é a relação entre a produção do conhecimento e depois a sua aplicação na criação de valor, a concretização nas empresas. Criar produtos e serviços no contexto de digitalização e de uma economia digitalizada, e no contexto das plataformas. O professor Félix Ribeiro fala, no ForeSight [estudo da Fundação Gulbenkian], da necessidade de criar um novo sistema técnico económico. Nós vemos esse novo sistema no contexto de competências de inovação formais, da capacidade de ligação pelo sistema de produção de conhecimento; e havendo um fluxo harmonioso e ligações adequadas entre quem produz esse conhecimento e quem o aplica, com o valor para criar transformações, qualquer tipo de transformação, dentro da empresa no sistema produtivo, nos produtos e serviços. E o que vemos é que nesta nova infraestrutura da economia do Século XXI, do digital e das plataformas, Portugal ainda tem um caminho para fazer. E as empresas também. Do tempo em que simplesmente vendiam capacidade para venderem efetivamente produtos. Bens intermédios ou bem finais, mas têm de ter uma presença de produção e de captura de valor nas plataformas globais.
“É que há dois momentos na política: semear e colher. Se não se semeia não se consegue colher coisíssima nenhuma”
– José Félix Ribeiro
JFR – Acho muito interessante estarmos aqui numa estrutura revolucionária [Museu da Eletricidade] – se não tivesse havido um conjunto de máquinas que queimavam carvão e deitavam uma grande fumarada nós nunca tínhamos tido eletricidade em Lisboa. Passadas décadas, hoje estamos perante algo de igualmente revolucionário que é a internet. A internet é muito diferente de uma central como esta mas é também uma infraestrutura que remodela completamente a sociedade e a economia. E porque é que nós estamos hoje a viver um período complicado? Porque a internet muda o modo de funcionamento de tudo aquilo em que nós entramos e muda a globalização. Neste momento, cada vez mais, as grandes plataformas resolvem um problema central do capitalismo: como é que tu fazes encontrar a procura e a oferta por forma a que não haja grande desajustamento.
As plataformas são feitas exatamente para que, no momento em que se gera a procura, a oferta saiba que essa procura se gerou, e desse ponto de vista é um avanço absolutamente extraordinário fazer isto a um nível mundial.
O professor tem uma visão um bocadinho copo meio cheio. Está confiante que nós vamos ganhar a tal produtividade e competitividade que é aquilo que nos tem faltado comparativamente com outros países?
JFR – Numa economia aberta tão pequena há uma coisa que é muito importante, mais do que nas outras, que é o sistema financeiro. Nós tivemos um grande capitão da indústria, que era o António Champalimaud. Em 1958, quando houve na Câmara Corporativa a discussão sobre o segundo plano de fomento, houve um ataque enorme vindo de vários setores contra os lucros elevados das cimenteiras, que eram a base dele, e também do que seria a siderurgia. E ele tem uma intervenção, que eu acho que é absolutamente extraordinária, em que diz o seguinte: meus caros amigos, não sei se querem que o país se industrialize. Mas se querem, o país para ser industrializado tem de estar permanentemente a conquistar novas áreas da indústria, porque não podemos sempre fazer as mesmas coisas. Ora, se nós tivéssemos um sistema financeiro assente no mercado de capitais eu, que estou nos cimentos, dizia “quero fazer uma siderurgia”. Ia ao mercado de capitais e este logo via se o que estou a pensar é porreiro e financiava ou não. Mas nós não temos o sistema financeiro assente no mercado de capitais, mas sim na banca comercial. Se eu chegar à banca comercial e disser que estou nos cimentos mas que quero fazer uma siderurgia, o senhor da banca comercial diz-me que saia, que não bati à porta certa. Porque a banca comercial não tem como função remodelar a estrutura das economias. Portanto, desse ponto de vista, o Champalimaud disse: “se quiserem uma coisa destas têm de compreender que eu preciso de ter muitos lucros nos cimentos. Em primeiro lugar para ter o retorno do meu investimento; e em segundo lugar para ter capital para passar para a siderurgia. E se não querem isso, deixem de falar da industrialização do país”.
“O que vemos é que nesta nova infraestrutura desta economia do Século XXI, do digital e das plataformas, Portugal ainda tem um caminho para fazer”
– Jorge Portugal
JP – Neste momento, a banca comercial portuguesa, a par do Estado, é a fonte que o país tem para financiar o crescimento e enfatizar a inovação. Nós temos vindo a trabalhar com os bancos no sentido de ultrapassar esta assimetria de informação entre aquilo que os bancos sabem do ponto de vista dos seus clientes, do ponto de vista de inovação, da aplicação produtiva da tecnologia de inovação, e aquilo que efetivamente os clientes sabem e as suas estratégias de mercado. Gostaríamos muito de ter um mercado de capitais eficiente, mais empresas de capital de risco capazes de financiar as empresas portuguesas e as startups. Mas é o que temos. Agora, o que nós temos vindo a ver é que há uma vontade da própria banca comercial de compreender o fenómeno. E isso é um espaço de intervenção também, de poder mostrar aquilo que as empresas estão a fazer, porque é que estão a fazer, do ponto de vista da aplicação tecnológica. Um dos aspectos importantes é esta questão do conhecimento e dos ativos intangíveis. As empresas investem em investigação e desenvolvimento, investem em digitalização, mas depois muitos destes investimentos não são corporizados em termos de ativos, digamos capitalizáveis, e que depois possam ser transformados em resultados produtivos. E aí há uma intervenção também da política pública, não apenas dos mercados, de conseguir várias coisas. Primeiro, as empresas percebam o que é que é capitalizável do ponto de vista do seu investimento intangível, e portanto consigam ligar o balanço desses ativos à sua capacidade de influenciar do ponto de vista do valor. Aliás, isso faz-se nas startups: em muitas delas o que temos é um balanço quase 100% intangível mas que tem valor do ponto de vista dos cash-flows futuros.
E portanto a banca comercial, a banca em geral mas também os financiadores públicos – porque grande parte do financiamento à inovação vem de capitais públicos – tem de compreender este processo. Primeiro, capitalizar os investimentos em conhecimento e depois criar mecanismos para que este capital possa ser também colateralizável em termos daquilo que é o funcionamento normal de um sistema de financiamento das empresas.
Já falámos aqui da educação e da transferência de conhecimento. Hoje em dia, em Portugal, quando a investigação académica e científica é feita, já é a pensar em como poderá ser útil para um novo produto, serviço ou processo?
JP – Deixe-me fazer um ponto sobre esta questão daquilo a que nós chamamos a expansão do ecosistema de inovação. E parte diz respeito a uma velha questão, a da relação das empresas com os centros de conhecimento do sistema científico e tecnológico, as universidades. Nós assistimos, nos últimos 30 anos, a uma política de expansão da oferta de conhecimento. Aliás, no COTEC Innovation Summit de junho discutimos a expansão cosmológica de centros. Chegou a dizer-se “parem de criar novos centros”. Primeiro, porque as empresas se relacionam com os centros de conhecimento de uma forma territorial, logo a proximidade é importante. Segundo, pela capacidade dos investigadores. Um dos problemas que vamos ter de debater nos próximos anos é se há investigadores suficientes. Mas diria que há um terceiro ponto, que é não resolvermos apenas problemas técnicos. Porque a inovação não é apenas resolver o problema técnico, é encontrar um conceito que o mercado aceite, que substitua com vantagem aquilo que já existe, que seja possível ser produzido em escala ou através de uma plataforma, de uma forma alargada. O investigador tem de conhecer a realidade da empresa, tem de estar lá mais tempo, tem de estar junto de quem conhece o mercado.
Fala-se muito na grande oportunidade que representa esta reindustrialização europeia, mas parece-me que se tem falado muito – desde o início da pandemia – e feito pouco. Está otimista em relação a passos concretos nesse sentido?
JFR – Penso que, em primeiro lugar, temos de separar reindustrialização de inovação tecnológica. Porque há muita inovação tecnológica que não é feita diretamente na parte física da indústria mas na sua parte intangível. Às vezes é feita dentro das empresas industriais, noutras vezes é fora. Desse ponto de vista, quando olhamos para a política industrial europeia, temos três grandes preocupações. A primeira é recuperar do atraso: a União Europeia não é hoje uma entidade líder nas tecnologias que estão a construir o futuro. Percebeu que continuava a ser uma poderosa economia industrial, tipicamente na Alemanha, mas não era uma economia moderna. Um exemplo interessante: há três empresas automóveis alemãs que vieram para Portugal criar gabinetes de engenharia para lidar com a digitalização da mobilidade. Nós somos úteis porque apostámos na altura certa na questão das tecnologias de informação e na microeletrónica. Hoje, precisávamos de fazer um percurso parecido. Mas volto a insistir em que a questão central é empresarial: quem transforma o País do ponto de vista económico são as empresas. O Estado pode não complicar e pode ajudar. Um último exemplo. Eu fiz o serviço militar na Marinha, na administração naval. E é muito interessante que hoje a Marinha esteja envolvida na concepção de um navio, não para fins militares, mas para fins de investigação, para tratar a riqueza de dados e informação que o alargamento da nossa plataforma continental pode permitir. Sabendo que um navio só, perante uma coisa tão grande, não era bom, esse navio vai ser construído para ser o maestro de uma orquestra de drones. Os drones aéreos e submarinos vão muito mais longe, cheios de sensores, do que vai o navio. Portanto, estamos a ver uma coisa que é do Estado, a Marinha, conceber um navio que será todo ele construído em Portugal e que será o maestro dessa orquestra de drones. Isto é o futuro. É importante que Portugal também tenha experiências deste tipo.
Neste estudo, quando a administração da Gulbenkian nos pediu para fazer uma reflexão sobre o futuro de Portugal, nós dissemos que não íamos fazer um projeto com conselhos ao governo. Nós vamos tentar desenvolver cenários diferentes para Portugal, conforme a evolução externa e as opções que fizermos cá dentro. Deixámos três cenários para Portugal e pusemos à consideração: agora escolham. Não é função de uma fundação dizer o que é que o governo deve fazer. Agora, deve ajudar a que as pessoas percebam a complexidade da situação em que o País está.
JP – Eu não acompanho esta ideia de que não há sinais da utilização dos factores de competitividade intangíveis nas empresas. Pelo contrário. O Professor Félix Ribeiro tem falado na emergência dos protoclusters sobre os setores clássicos e nós, na COTEC, temos muito exemplos de empresas que pretendem a esses protoclusters. Estamos a falar de empresas que estão em setores como a robótica e a automação industrial, a robótica colaborativa, realidade aumentada, a introdução de produtos de eletrónica em todos os bens de equipamento, de biotecnologia, de inteligência artificial aplicada à imagem. Em todas estas áreas estamos num novo ciclo de especialização internacional. O tema aqui é que é preciso que estas empresas escalem, possam crescer. Um grande problema da economia portuguesa é um problema de escala. A presença recente que tivemos na Hannover Messe foi um exemplo – deixámos os alemães e o resto do mundo que viu as exposições das empresas portuguesas a perceber que o País pode ser uma pequena economia aberta, mas que tem empresas muito aguerridas do ponto de vista da entrada nestes segmentos. O que nos parece importante é perceber quais são as condições essenciais daquilo que, no Foresight, é o cenário 3 – o tal Portugal 4D, dinâmico, sustentável, orientado para o valor acrescentado. E potenciar aquilo que nós já temos: um sistema científico e tecnológico bastante apurado, um sistema de educação que forma quadros e recursos para o resto do mundo. Os portugueses confiam que as Universidades são a porta de entrada para que os seus filhos tenham uma boa educação, bons salários e uma vida melhor do que a que tiveram. Os portugueses e as empresas têm de compreender que as universidades e o conhecimento são a forma como as empresas podem pagar melhores salários em Portugal. E é também esta a terceira missão do sistema científico, não sendo só sua responsabilidade: fazer com que as empresas tenham condições para pagar melhores salários em Portugal e assim conseguir reter as pessoas. Não há problema nenhum em irem lá para fora. Têm é que voltar, depois. Têm de conseguir encontrar em Portugal projetos profissionais, empresas que tenham a capacidade de os atrair e de lhes pagar salários ao nível de mercado, sabendo que estamos num mercado de trabalho global.
JFR – Há uma questão muito importante que é a conjugação de uma mudança – a digitalização – com a mudança do paradigma energético. A sobreposição de ambas cria uma enorme perturbação em todos os sistemas empresariais. Quando muitas empresas, de setores tradicionais, estão a ser atingidas em grande, por exemplo, com as novas exigências ambientais ou pelo choque de preços das energias, o tentar salvar o que se tem é o primeiro instinto. Mas não podemos nunca esquecer que temos de ter uma parte para semear. Se deixarmos de semear, se deixarmos de fazer coisas que hoje parecem inúteis mas que têm o futuro lá metido dentro, daqui a dez anos estamos a fazer as mesmas coisas que estamos a fazer hoje. É muito difícil governar Portugal nesta altura, qualquer que seja a governação, porque tem de ter o bom senso de combinar o que se pode salvar com aquilo que não se pode deixar de ajudar a crescer. Isso remete-nos para a questão da demografia. Vamos ter muito menos jovens do que tínhamos e vamos ter muito mais pessoas de idade. O drama que isto tem é que se os jovens não tiverem empregos com produtividades superiores às dos pais, que lhes permitam ganhar mais, nós não vamos ter capacidade para sustentar com dignidade os nossos velhos. Há uma relação estreita entre os jovens e a população idosa. Se os jovens não tiverem empregos em atividades mais produtivas do que só as de andar a distribuir comida, não vamos a lado nenhum. E vamos comprometer as nossas responsabilidades para com os mais velhos. Os jovens são o mais precioso elemento que a sociedade portuguesa tem para, daqui a 20 anos, poder progredir.
“Os jovens são o mais precioso elemento que a sociedade portuguesa tem para, daqui a 20 anos, poder progredir”
– José Félix Ribeiro
O Professor diz que não é vosso papel dar conselhos ao governo e sim traçar cenários. Mas, certamente, desses três cenários, tem um preferido…
JFR – Demorámos dois anos a produzir este documento, o Foresight. Quais são os nossos cenários? Chamámos ao primeiro cenário o Prolongamento. Isto é continuar, no essencial, a tentar manter vivo o que já criámos e atuarmos na União Europeia na forma tradicional que sempre usámos, que é “somos pobres, temos de ser ajudados”. No nosso segundo cenário, o de Ajustamento, vamos integrar em pleno a nova União Europeia que está a acontecer e vamos meter-nos em tudo o que ela está a fazer de novo. O problema é que muito do que ela está a fazer de novo tem muita dificuldade em encontrar atores cá em Portugal. No terceiro cenário, nós achamos que era muito importante combinar uma relação muito profunda com a Europa com uma relação muito profunda com os Estados Unidos e com o Japão. O terceiro cenário é o que chamamos de Reposicionamento, que é estarmos na Europa e inseridos no mundo. À procura do que é novo, procurando ter relações estreitas com as regiões do mundo mais inovadoras. Não com países, mas com regiões, para que tragam para cá as empresas , para que percebam que isto é um sítio bom para fazer coisas.
A COTEC tem falado muito do chamado Ponto de Inflexão na política europeia e de inovação. Pode explicar-nos um pouco melhor em que consiste?
JP – Esse ponto de inflexão foi o tema do nosso COTEC Innovation Summit deste verão. O que sentimos é que nas últimas décadas tem havido no mundo um acumular de vários efeitos ou fatores que contribuem para um ponto de acumulação. O ponto de acumulação, de um ponto de vista de gestão, é sentir que há um conjunto de fatores que estão a acumular-se, no sentido de exigirem uma mudança substancial e uma necessidade de adaptação a uma nova realidade, mas que ainda não se sentem, de uma forma completa, naquilo que é o quadro de funcionamento do ambiente onde as empresas operam. O que verificamos é que esse ponto de inflexão está a acontecer, esta aceleração relacionada com a crise da energia é mais um exemplo de algo que vem de trás, que não se manifestou totalmente nas condições de funcionamento, mas que agora começamos a ver um aumento da taxa de variação e uma necessidade de adaptação a essas novas condições. Vemos isso na tecnologia. Estamos no Museu da Eletricidade, e eu lembro que as empresas precisaram de muitas décadas, quase 50 anos, para perceber como podiam utilizar a eletricidade de uma forma mais produtiva. E é isso que a COTEC tenta também fazer com as empresas. Compreender como as empresas estão a usar a conetividade, os dados, a inteligência artificial, para ter ganhos de produtividade e fazer coisas melhores, mais rapidamente, com menor desperdício de recursos e com mais funcionalidades. E aqui está o ponto de inflexão.
O ponto de inflexão não é necessariamente uma mudança radical e abrupta de direção, mas simboliza um novo ímpeto, uma adaptação a uma nova realidade?
JP – A adaptação a um novo quadro de funcionamento que é substancialmente diferente do anterior. Isto não nos deve causar stress nem ansiedade. Associamos inovação à mudança, e nós enquanto seres humanos somos normalmente avessos à mudança, por questões de adaptação biológica, culturais ou psicológicas. O ponto de inflexão tem esse significado: há um momento em que as condições que nos rodeiam nos obrigam efetivamente a mudar. É preferível anteciparmos as mudanças para termos tempo para implementar o que é necessário fazer. A condição de execução é algo que também faz parte da inflexão que o País tem de fazer. Nós somos muito bons a pensar mas levamos muito tempo e se calhar não levamos até às últimas consequências a necessidade de executar o que pensamos. Nesta próxima década temos de levar mais longe a nossa capacidade de pensar bem, de termos uma direção de futuro e que temos de a executar sem hesitar.
Para finalizar, peço ao Professor Félix Ribeiro uma ideia-chave sobre o nosso caminho, nomeadamente no curto prazo, e que explorar-se um bocadinho melhor esse seu otimismo, num período tão turbulento e de mudanças tão grandes.
JFR – Uma das coisas que me parece importante é que nós não devíamos estar sistematicamente a ser surpreendidos com coisas que acontecem. Devíamos ter alguma capacidade – não é para prever, que nós não somos adivinhos – é para perceber o que está em curso, de poder antecipar coisas. E isso é uma responsabilidade muito grande, por um lado do governo e por outro das empresas. Nem todas têm essa capacidade, não têm dimensão, nem escala para fazer mas o País devia ter uma capacidade maior para observar o que está a passar e tentar perceber o que é que pode vir aí. Os governos – todos eles, a começar por Bruxelas – agem como se tudo fosse surpresa, tudo é novidade, tudo é extraordinário. Não se observa.
JP – É nesse sentido que a COTEC se posiciona, como um radar, um sonar das empresas portuguesas, principalmente das que vão mais à frente, as inovadoras, exatamente para poder antecipar aquilo que vem mais à frente. Na prática é isso que temos vindo a fazer ao longo destes mais de 18 anos e que na prática temos que fazer agora com ainda maior eficiência.
Este conteúdo foi publicado no suplemento da revista Exame nº463.