Trabalho e Liderar na Era 4.0: Preparar a Mudança

As mudanças proporcionadas pela tecnologia e o 4.0 são um factor importante quando se fala em trabalho do futuro, mas não o único. O já apelidado Work 4.0 representa também uma mudança cultural fundamental que contribui para o surgimento de novas formas de trabalhar e de liderar.

O relatório do ano passado do Fórum Económico Mundial “Future of Jobs Report 2018”, que analisou o impacto da automação e da inteligência artificial no mercado de trabalho global, refere que, até 2022, os robôs e algoritmos vão substituir muitos humanos no desempenho de tarefas rotineiras, o que vai alterar por completo o panorama do emprego e do trabalho em todo o mundo. Mas nem tudo é sombrio. Em contrapartida, acrescenta o estudo, entre os novos empregos criados (133 milhões nos próximos três anos) e os que a automação vai substituir (75 milhões), há um saldo positivo de 58 milhões com vantagem para os humanos.

Para José Santos Vítor, presidente do Instituto de Sistemas e Robótica (Instituto Superior Técnico), o uso de robôs está longe de ser uma ameaça para o trabalho humano e a colaboração entre máquina e homem pode até aumentar a produtividade: “Vão libertar aqueles trabalhos que são mais repetitivos e menos criativos e que mais facilmente podem ser feitos por máquinas, o que não é necessariamente desinteressante. O que os robôs fazem são coisas de domínios muito especializados, mas não têm a versatilidade que o ser humano tem. Aquela inteligência geral do ser humano que consegue passar de um problema para outro e agilizar conhecimento entre domínios muito diferente: os robôs e os sistemas inteligentes de hoje estão longe desse nível de desempenho”, considera.

Se recorrermos à memória do passado, desde sempre que as invenções e o progresso técnico trouxeram extinção de postos de trabalho e foram criando outros, consoante as necessidades do mercado. Aconteceu na agricultura, na indústria, no comércio e serviços, no turismo e, até, na tarefas domésticas. Nada de novo, portanto. A diferença é que hoje tudo acontece muito mais rapidamente.

Em pouco mais de 10 anos, diz Manuel Joaquim Costa, director de Business Consulting da Everis “criaram-se dezenas de novas profissões e extinguiram-se outras tantas. Um exemplo prático são os data scientists existentes nos quadros das empresas e que há uma década eram raros”. Por outro lado, acredita o consultor, “as pessoas vão mudar de carreira ao longo da vida e as competências digitais vão ser absolutamente necessárias. A 4.ª Revolução Industrial irá dar-nos a oportunidade de aprender e ensinar novas competências, construir novos empregos que exigem combinações únicas de habilidades que não existem hoje, explorar talentos que não conhecíamos e, ao fazê-lo, expandir os negócios e criar uma nova geração de profissionais altamente qualificados nas mais diversas áreas”. Para isto, considera ainda, é fundamental conjugar e alinhar o sector privado e o ensino – colaboração entre escolas, universidades e empresas para desenvolver currículos académicos relevantes e adaptáveis à procura – “mas também reformando a contratação com base em competências em vez de credenciais, e mais importante, mudando a ideia de que as empresas também têm de ser capazes de assumir a liderança no apoio à qualificação profissional existente e à aprendizagem ao longo da vida. É preciso prepararmo-nos para esta transição com uma mentalidade de abundância e assim criar um futuro de trabalho que seja próspero para todos”.

COM AUTÓMATOS E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL A AMEAÇAR SUBSTITUIR PESSOAS, O PAPEL DA LIDERANÇA SERÁ TRAZER À SUPERFÍCIE O FACTOR HUMANO

Não podemos, pois, ignorar que como resultado da automação estão em curso profundas alterações dos processos produtivos, dos processos de negócios e das novas formas de revisão de trabalho. De acordo com Isabel Furtado, presidente da COTEC Portugal, estas alterações “abrem muitas possibilidades, mas trazem igualmente muitos riscos, que terão de ser antecipados e geridos, mas o medo do incerto só nos pode deixar prisioneiros do passado ou receosos do futuro. O investimento na qualificação dos trabalhadores torna-se assim imperativo e ético para qualquer empresa responsavelmente social. Mas é igualmente uma decisão de gestão racional, que no actual contexto de incerteza e rápida mudança pode merecer o total apoio de políticas públicas adequadas”.

O último relatório da McKinsey&Company sobre “Automação e futuro do emprego em Portugal, de Janeiro último, refere que 0,7 milhões de trabalhadores (15% do total da força de trabalho) terão de alterar as suas ocupações laborais actuais e desenvolver novas capacidades até 2030. Um desafio só possível de ultrapassar através de uma aposta cada vez maior na qualificação e na requalificação dos activos. Com esta premissa, o mesmo relatório alerta que Portugal conseguiu melhorar a competitividade de talento nos últimos anos, mas revela atraso na formação ao longo da vida e na actração de talento, pelo que delineia, em quatro traços gerais, os objectivos a que um plano de requalificação laboral deve obedecer:

• Fortalecer a procura, desbloqueando o investimento e fomentando o empreendedorismo e o crescimento económico;

• Investir no capital humano através da educação e formação ao longo da vida;

• Revitalizar o dinamismo do mercado de trabalho e viabilizar tipos de trabalho mais diversificados;

• Repensar o apoio à transição para todos os trabalhadores.

QUALIFICAR E REQUALIFICAR AO LONGO DA VIDA

Os temas das novas competências exigidas aos trabalhadores e das necessidades de upskilling e formação decorrentes da introdução da automação foram abordados em N ovembro do ano passado em Alcobaça, no 8.º Encontro PME Inovação – “Saber, Fazer e Saber Fazer: As Novas Competências, Transformação das Profissões e do Posto de Trabalho”, promovido pela COTEC Portugal.

O estudo do Fórum Económico Mundial, “Towards a Reskilling Revolution”, apresentado também em 2018, fala exactamente desta necessidade de uma “revolução” de requalificação tanto das hard como das soft skills para enfrentar os desafios do trabalho do futuro baseado em automação e demais tecnologias, demonstrando, através de uma abordagem baseada em dados como os trabalhadores “deslocados” poderiam fazer a transição para empregos emergentes e como esse método poderia ajudar os decisores em todo o mundo a lidar de maneira estratégica e responsável com essa transferência de empregos devido à automação, destacando três recomendações: planeamento estratégico da força de trabalho, desenvolvimento do talento futuro (através da qualificação e requalificação) e optimização do talento às condições do ecossistema organizacional.

Na percepção do vice-presidente do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), Paulo Feliciano, as questões da qualificação/ requalificação, os seus desafios e oportunidades, estão directamente relacionadas com os modelos de negócio das empresas. “Há desafios e oportunidades do ponto de vista da capacidade de conceber e de agir num contexto económico que é muito disruptivo no que diz respeito aos modelos de negócio e que por via da digitalização da economia abre perspectivas muito diferentes quanto aos mercados em que as empresas podem participar, como também os há ao nível do planeamento e da organização para se posicionarem perante esses novos modelos de negócio”, explica. E só depois entra a questão da qualificação, que é apenas a expressão de uma necessidade que é colocada pelos domínios do que se produz e como se produz. “Um dos principais desafios das empresas de hoje é estarem atentas e serem elas próprias capazes de ser proactivas relativamente a esta mudança e a aprendizagem ao longo da vida é o recurso fundamental para poder fazer isso. Têm de olhar para as pessoas que com elas trabalham e irem promovendo a sua requalificação. Esta é um condição essencial para a empregabilidade e longevidade das pessoas no mercado de trabalho”, remata este responsável.

O PAPEL DA LIDERANÇA

Tratar as pessoas como pessoas será fundamental num mundo de máquinas. Para Jorge Portugal, Director-Geral da COTEC Portugal, é preciso valorizar o que nos torna únicos: “A tecnologia leva-nos por um caminho de desumanização e de mecanização e a liderança vai ter de fazer o papel contrário que é voltar a reganhar aquilo que nos torna verdadeiramente humanos”. Por isso, numa época em que se fala que os autómatos e a inteligência artificial vão substituir as competências humanas e as pessoas, o papel da liderança vai ser trazer à superfície o factor humano. Paulo Pereira da Silva, Diretor-Executivo da Renova — Fábrica de Papel do Almonda concorda e diz que a liderança se faz essencialmente de humanização e acrescenta: “Gerir talento, gerir pessoas, implica ter uma visão e capacidade de conduzir um grupo de pessoas para essa visão, dando-lhes liberdade para fazer acontecer essa visão. São as pessoas que fazem a diferença nas organizações”.

Um bom exemplo para a liderança na empresas é o do “treinador desportivo”, em que o líder deve ainda inspirar a sua equipa pelo seu exemplo de entusiasmo e de empenho e em que o foco está na eficiência para a obtenção de resultados através de coisas simples como ensinar, acompanhar, dar feedback, que não seja apenas pela avaliação de desempenho. Além disso, avança Jorge Araújo, ex-treinador de basquetebol, responsável pela Team Work Consultores e especialista em treino comportamental, a mudança nas empresas deve começar pela forma como comunicam: “Chamar às pessoas recursos humanos equipara as pessoas a um recurso qualquer que todas as empresas têm de gerir”. E hoje em dia, reforça Paulo Pereira da Silva, “o trabalho automatizado é feito por máquinas, por robôs, por algoritmos e por isso as pessoas têm de ser tratadas como pessoas e não como máquinas porque o trabalho que se pede delas é um trabalho que tem muito que ver com o seu próprio talento”.

Também para o professor Klaus Schwab, fundador do Fórum Económico Mundial, “os nossos esforços devem centrar-se no impacto da 4.ª Revolução Industrial nos seres humanos, na sociedade e no meio ambiente, e não apenas no progresso tecnológico ou na produtividade”.

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